sábado, 16 de novembro de 2024

Criminoso - A ser publicado em "A Felicidade é o Ópio da Existência"

 

Ovelhas, somente ovelhas. É o que ele avista enquanto caminha pela Paulista num domingo ensolarado, a solidão se apresentando como a única companhia totalmente dependente dele, de modo a estar sempre pronta para abraçá-lo, acompanha-lo, ouvir o que quer que ele tivesse a dizer. Enquanto isso, ao seu redor, somente as ovelhas envolvidas em sua busca pela dose diária de felicidade, droga da qual são eternos dependentes, sempre prontos a permitir que um mártir seja sacrificado em nome de sua salvação, ainda que momentânea, quer este seja pendurado em uma cruz, uma forca ou simplesmente pague de algum outro jeito pelo que nunca fez. Não que isso o comova, há muito aprendeu que nada resume mais a inocência que a simples ausência de oportunidade de se fazer aquilo que se quer e que seria considerado um crime ou pecado por algum código legislativo ou moral, bem como o arrependimento nada mais é que o resultado de uma conduta dolosa que não deu certo ou que, simplesmente, levou-o a sentir-se mal por algum motivo próprio após a prática de determinado ato. Seja como for, seria determinado por um mal causado, em primeiro lugar, a quem o praticou, do contrário seria substituído por uma sensação de prazer ou alívio que variariam de acordo com as circunstâncias. Talvez após tomar aquilo que não lhe pertence, seja a vida ou a posse de um terceiro; quem sabe após conquistar uma vaga na universidade ou emprego público que num processo em que cada sucesso culminaria num número maior ou menor de fracassos; possivelmente a corrupção ou ruína de um relacionamento amoroso alheio ou a salvação, ainda que temporária, de uma empresa maior ou menor em face da propina entregue a algum fiscal. Seja como for, o próprio bem-estar, satisfação ou alívio estariam sempre em primeiro lugar e todos seriamos predadores em alguma escala, prontos para manter intactos os alicerces de nosso sorriso, muitas vezes tendo por consequência o sorriso alheio que não hesitaríamos em apagar, se necessário, para que o nosso não se apagasse. A necessidade como mãe da invenção, a ocasião fazendo o ladrão, os fatos falando por si, independente de quem ache que existe bondade, altruísmo, caridade, e não apenas um mal menor, um egoísmo disfarçado, uma tentativa de inchaço do próprio ego camuflada por um amor ao próximo que não é mais que lobo travestido de cordeiro.

Há muito se pergunta qual a fronteira que separa não apenas esses a quem se refere, como a si mesmo, de um criminoso. Não os somos todos nós? Não seriam as leis apenas um mecanismo que visa nos coagir e nos salvar de nós mesmos, de modo que, sem elas, todo código moral, religioso que seja, seria capaz de conter apenas alguns de nós? Ele observa o cenário à sua volta, o que aconteceria com este povo em um dia sem lei ou até que ponto seriam capazes de chegar se não houvesse nada que os impedisse de praticar qualquer ação dolosa sem esperança de redenção ou medo de punição? Havendo a menor confirmação de que não houvesse um Deus que os encaminhasse a um inferno, ou que este mesmo inferno fosse aqui, não havendo mais nada a perder, e que a morte que tanto temem não fosse mais que a liberdade definitiva, do que seriam capazes? Há alguma compaixão que se possa sentir por essa gente, independentemente de sua orientação sexual, política, grupo étnico, religião ou o que quer que seja? Algum motivo para não considerar seu extermínio diário, constante, uma nova forma de diversão? Ele não consegue pensar em nenhum, seja para evitar o sofrimento alheio ou mesmo para não fazer dele uma forma de prazer, de negar as regras criadas para transformar seu corpo em um cárcere de sua alma, de afastá-lo de sua verdadeira natureza, de fazer o que quer que lhe desse vontade, de matar simplesmente pela satisfação de matar, violentar pelo simples fato de tomar posse do corpo que lhe despertasse algum desejo, pois, no final das contas, somos todos canibais devorando a alma alheia e vivendo em um estado constante de guerra uns contra os outros de forma velada ou ostensiva. Nas conversas tidas nos bares, no ambiente de trabalho, no casamento, sorrisos se tornam apenas cavalos de Tróia nos quais se escondem o inimigo que penetra em vidas alheias no intuito de conquistar apenas o que deseja para si, ainda que isso implique na destruição de outrem, de forma mais rápida ou lenta, direta ou indiretamente.

E, em meio a esta busca pela felicidade, pela satisfação própria, de serem predadores e presas em potencial ao mesmo tempo, se encontram seus líderes, aqueles que os colocam uns contra os outros e contra quem não conhecem qualquer capacidade de reação, de modo a atacarem uns aos outros no desespero de mostrar que tomam alguma atitude, numa tentativa patética de enganarem a si mesmos e mostrar algum serviço, negando o medo e a incapacidade que, no final das contas, já os transformou em moradia permanente. Sustentados por suas esperanças, que não se sustentam, suas crendices em uma justiça divina e em interventores espirituais que se baseariam nos conceitos de bem e mal defendidos por um grupo ou indivíduo, nada mais seriam que objetos submissos a uma lei da gravidade adaptada a suas próprias consciências, a seus próprios princípios, e que, seguindo sua tendência natural, os levaria a uma inevitável queda. Não há dúvida que, perto desta existência de merda, pautada em ilusões e dependente da busca diária pela própria realização ou algo rapidamente semelhante a ela, a morte é uma benção sem medida e que não é merecida por quem quer que seja sem ser alcançada pelo devido sofrimento no inferno que é o mundo.

Entretanto, não resta dúvida que a existência dessas ovelhas que creem que são lobos é um empecilho, uma pedra no sapato, algo que incomoda como uma mosca e que tem de ser tirado do caminho. O fim de suas existências seria realmente o ato mais misericordioso que poderia ser praticado por eles, mas também seria extremamente desagradável para eles sentir o final de todos os planos, expectativas, esperanças, até mesmo de suas dores, se aproximando subitamente. Nessas horas ninguém pensa nos familiares que vai deixar para trás, não sabe nem por que está se apegando à vida que logo se encerrará, então por que se preocupar se há hora certa para se encontrar com quem já morreu, lamentar por isso, até porque, em vida, estão sempre ocupados para eles?

Convencido de que não há qualquer razão para arrependimento, de que encerrar a existência de quem quer que seja é um ato de bondade que ele deve praticar em nome do próprio sossego e que ele realmente conquistará satisfação levando o fim às vidas daqueles que se julgam a imagem e semelhança de um Deus que, se é mesmo responsável pela criação da humanidade, só pode ser tão falho e maldito quanto ela, ele começa sua seleção, observando a multidão na avenida, e se pergunta quem, entre tantos ali, será agraciado com seus serviços hoje. Setecentas gramas de pólvora e aço no bolso, a numeração raspada facilitando a dispensa da ferramenta, e a dificuldade em escolher parece se mostrar maior que a execução do ato em seguida. Bem, ao trabalho...


 

Escola Sitiada - a ser publicado em "A Felicidade é o Ópio da Existência"

 

Por incrível que pareça, o final da expectativa de não saber o que fariam com ele estava trazendo mais alívio que angústia. Cercado pelo grupo de alunos em volta da mesa onde trabalha, na sala de aula onde o ensino era praticamente uma religião praticada por ele, o professor agora se debruça, coagido pelo ódio que emana de palavras de ordem proferidas pelos adolescentes, as calças arriadas por um deles e, em meio aos gritos, que logo viram uma torcida histérica, acompanhada de risos, sente as mãos do rapaz na cintura enquanto seu membro desliza, sem piedade, para dentro do ânus do pedagogo, o que o leva a soltar um grito de dor e os jovens ao delírio. Por sua vez, o ativo focava no estupro de seu mestre, sentindo a ereção ganhar cada vez mais força enquanto o violentava, em face do prazer físico, causado pela pressão que o reto apertado fazia contra seu membro, que jamais havia experimentado o sexo anal. Entretanto, não é o sexo em si que lhe causa excitação, mas, sim, a ciência de estar desgraçando a vida daquele que, no final das contas, foi condicionado a acreditar que o oprimia. O sentimento de posse, de poder, de fazer um inferno da vida de quem odeia e submetê-lo àquilo que, para qualquer homem, é considerado a humilhação mais grave, ser transformado em mulher pelas mãos de alguém que não só seria transformado em algo mais pelo conhecimento transmitido como, ainda, contra quem não poderia esboçar reação alguma, fosse pelo número de alunos à sua volta, fosse porque a lei estaria do lado de todos na sala, independentemente do que acontecesse ali de mais ou menos grave, havendo uma punição mínima para os responsáveis, se houvesse alguma. Enquanto sente o rapaz entrando e saindo de dentro de si, conforme lhe convém, ouve os insultos e humilhações dos alunos e se lembra de como tudo começou, a princípio deixando a entender que talvez se tratasse de uma discussão mais acalorada, no máximo uma briga, sem jamais imaginar que tudo chegaria àquele ponto. Ao redor, alguns alunos acendiam baseados, faziam fileiras de cocaína e outros, estimulados pela cena com o professor, formavam fila para serem os próximos e entrar no lugar do amigo na curra do corpo docente, literalmente falando, enquanto outros se despiam e iniciavam seu próprio intercurso, independentemente da orientação sexual.

A cena não demora a chegar ao conhecimento de outros alunos, em outras salas, e logo a escola está tomada. Professores são arrastadas para fora das salas de aula, janelas são quebradas, carteiras jogadas das sacadas dos andares e logo o cenário se transforma em uma reprodução de Sodoma e Gomorra, com as professoras mais formosas tendo suas roupas arrancadas e colocadas à disposição dos alunos, enquanto os professores eram surrados até que os alunos se entediassem e os deixassem em um canto. A diretora da escola, sem entender o que acontecia, foi em direção ao cenário, sendo agarrada pelos adolescentes, que gritavam palavras de ordem, totalmente descoordenadas, e arrastada por eles de volta ao seu escritório, onde também é violentada pelo grupo, que se reveza na posse de seu corpo.

As drogas, a música depravada e o sexo, realizado com ou sem o consentimento dos mestres e funcionários da escola, foram se apoderando do ambiente. Os poucos que não tomam parte ou que já se saciaram permanecem observando, fazendo comentários, divertindo-se diante desse ou daquele momento em particular, enquanto professores, acuados num canto do pátio, permanecem observando, perdidos entre a meditação sobre sua própria ruína e o que acontece ao seu redor, que se mostra mais importante para alguns e menos importante ou perceptível para outros, para quem a vida simplesmente parece ter perdido o sentido em poucos minutos de humilhação. Do lado dos alunos, a sensação de liberdade, evoluída ao cúmulo da libertinagem, da ciência do poder absoluto dado a eles por um sistema legislativo que os torna inimputáveis, é manifestada como um orgasmo insuportável, incontido, fulminante, que os levam a se revezar entre o uso de drogas e a total aniquilação de qualquer senso de hierarquia restante, a violação de seus professores e diretores e a total despreocupação com o que quer que o futuro venha a lhes trazer.

A situação com reféns leva à chamada da polícia, quando, horas mais tarde, moradores e transeuntes passam a estranhar a situação na escola. Barulho demais para a bagunça convencional feita durante as aulas, sem falar que o som de vidros se quebrando e os gritos ouvidos demonstravam, visivelmente, que algo mais acontecia lá. Talvez um tumulto, assalto, as portas trancadas indicavam uma situação com reféns. O policiamento de bairro acionou o comando, que mandou a tropa de choque ao local, e, tão logo o líder do pelotão iniciou as conversações através da porta trancada com um grupo de alunos, nenhum deles se preocupou em cobrir o rosto ou em não proferir palavras de baixo calão ao afirmar que a escola, a partir daquele momento, lhes pertencia, bem como aqueles que a comandavam. Ao ser avisado pelo policial que haveria invasão pela retomada da escola, o grupo de estudantes declara que vai emitir uma mensagem mostrando o que pensa da posição da polícia ante a situação. O oficial retorna a seu grupo, debatendo o assunto com outros, e todos já mostram ter ciência de que se trata de uma situação com menores, que haveria mais problemas para a própria polícia que para os sequestradores caso alguma ação violenta fosse tomada e, embora demonstrassem controle, sabiam que qualquer providência tomada acarretaria no fim de suas carreiras, talvez até prisão, e preferem aguardar a mensagem dos alunos.

Não demora muito até que os adolescentes apareçam na sacada do escritório da diretoria, no andar de cima, chamando a atenção da polícia. Estão todos nus, inclusive a diretora, que é colocada de bruços e passa a ser violentada pelo grupo, um de cada vez, diante dos olhares estarrecidos e dos comentários daqueles que a tudo assistem, sem tomar providência alguma. O horrendo espetáculo dura cerca de uma hora, em face do revezamento dos estudantes. Sabendo das consequências e sem saber o que fazer por se tratar de menores de idade, o policial que comanda as negociações pede para que a refém seja poupada, enquanto, como se ignorassem os pedidos da polícia e dos que se encontram na rua, simplesmente prosseguem com o ato, usufruindo do corpo da pedagoga da forma que acham melhor. Tão logo o último termine, o grupo ergue o corpo da mulher, que treme e demonstra total desorientação, e a arremessa da sacada. Sem saber o que fazer, os policiais e as pessoas na rua, que a tudo acompanham, se indagam, assistem, algumas filmam tudo para as redes sociais, outras estão simplesmente fascinadas e pensam somente em como aquele ocorrido irá garantir que tenham assunto para a vida toda ou simplesmente possam dizer que viram aquilo acontecer, enquanto há os que se perguntam por que, tendo apenas uma resposta do grupo: “porque nós podemos”!

E os estudantes dão meia volta, sem se preocupar em dizer mais nada àqueles que permanecem do lado de fora, assistindo a tudo, imaginando o que pode estar ocorrendo dentro do estabelecimento de ensino, e se perguntando o que reserva o futuro, seja daqueles que lá se encontram, deles mesmos e do mundo...