domingo, 20 de outubro de 2024

Altar Profanado - a ser publicado em "A Felicidade é o Ópio da Existência"

Brisa típica de verão, daquelas que vem logo após uma noite de chuva de intensidade média, gente de máscara pra todos os lados se acumulando numa plataforma que promete vagões de metrô lotados de gente perdida em seus próprios mundos pensando apenas na superfície do que são suas vidas e que se resume às responsabilidades imediatas, diversões talvez, todos envolvidos com o que quer que tenham em mente para iniciar, continuar ou finalizar, sejam suas atividades ou mesmo seu tempo no mundo. Cada rosto uma História recheada de estórias de lapsos morais, fraquezas, esperanças enganosas devidamente frustradas, traições, tudo isso confrontando-se com a consciência e manifestando-se através do desejo, em alguns casos da certeza, de serem todos os melhores seres humanos a seus próprios olhos ou simplesmente fingindo acreditarem que não o são. O homem é o que diz e não o que faz, palavras bonitas e cheias de inspiração sempre foram um analgésico cobiçado pela alma, devidamente prescrito em doses pequenas, com o menor número de linhas possíveis, administradas sob medida para um povo avesso à leitura do que quer que tome mais que alguns segundos de atenção ou exija um raciocínio maior.

Isabel tinha seus próprios motivos pra estar ali. Utilizando seus próprios meios, fazendo o que o patrão gosta, como de costume, conseguiu ausentar-se do trabalho naquela quinta-feira. Sem muitas explicações, disse apenas que tinha apenas um compromisso importante, e o chefe prontamente a dispensou sob a promessa de que compensaria no final de semana. O recado foi entendido, mesmo porque não haveria ninguém além dela e o superior no escritório, o que significa que o expediente deve ser mais curto e o trabalho executado será, provavelmente, mais longo. Nada com que se preocupar ou que ela não tenha feito antes. Todas essas preocupações permanecem afastadas agora, de modo que ela passa a focar nos passageiros ao redor, buscando algo que lhe chame a atenção e que justifique viajar em pé até seu destino.

O trem chega à plataforma e ela não demora a avistar algo que lhe desperta algum apetite. O homem é alto, peso proporcional à altura e parece visivelmente definido por baixo das roupas largas. O tempo fez com que ela desenvolvesse uma capacidade interessante de visualizar os traços de um homem sob as roupas, bem como, através do tipo físico, deduzir quais seriam os mais dotados. Ainda não tem trinta anos, mas sua experiência com homens pode ser considerada ampla, haja visto que não hesita em remover todas as barreiras possíveis entre seu próprio prazer e si mesma, avessa a todo tipo de pudor, moral ou vergonha, salvo o que possa ser usado como desculpa para afastar um pretendente não desejado por ela. Casada há alguns anos com um comprador de uma grande loja de autopeças, que até que não é de todo mal, chegando até mesmo a ter um desempenho sexual considerável, ela, mais uma vez, utiliza uma chance para procurar novos parceiros e satisfazer sua tara que, no final das contas, tem mais a ver com uma filosofia extremamente particular do que com a satisfação do corpo ou o vício no ato sexual. Admite ser extremamente ligada ao prazer físico e cuidar do corpo, em especial, para atrair parceiros potenciais e torturar aqueles que não se enquadrem em suas exigências, mas desafiar, degradar, pisotear todo tipo de padrão ético, religioso e moral que diga respeito ao encarceramento de sua libido é o que realmente a motiva.

Lança um olhar de desejo em direção ao homem que lhe chamou a atenção e, tão logo embarcam, estão um ao lado do outro, trocando sorrisos maliciosos, alguns que o rapaz esboça sem ter certeza absoluta do que a mulher estaria querendo. Não faria um escândalo, não o acusaria de assédio e o submeteria a constrangimentos que iriam desde as ofensas, talvez agressões, da multidão estúpida e furiosa, talvez até a prisão? Isabel é dona da situação, visto que a mulher é sempre vítima e o homem já nasce culpado do que quer que seja pelo simples fato de ter nascido homem. Seja como for, seu olhar deixa claras suas intenções e ela, discretamente, acaricia o membro do desconhecido, sentindo-o crescer em sua mão e, em seguida, vira-se de costas para ele, acariciando a peça com suas nádegas discretamente, podendo sentir logo o tamanho avantajado. Ele segura sua cintura e a puxa de encontro a si, enquanto ela joga o quadril para trás sem chamar a atenção e aperta o homem contra a porta do trem, sentindo seu cacete atingir o que parece ser o máximo da rigidez. Alguns passageiros notam o ocorrido, mantendo-se alheios a tudo e buscando disfarçar como podem. Ela sorri. Pouco tempo depois, vira-se para o rapaz, pisca e deixa o trem, sem dizer uma palavra que seja. Ele retribui o sorriso e segue viagem.

Trazendo para si os olhares de homens e mulheres pelo andar elegante, o salto alto e o vestido apertado, ela caminha para a saída da estação, rumo à loja onde o marido trabalha e deve estar entupido de serviço naquele momento. Entretanto, não é no cônjuge atarefado que ela pensa agora, tampouco no seu trabalho. Pelo menos, não diretamente. Enquanto prossegue é a última confraternização da empresa onde o esposo trabalha que lhe vem à mente, há mais ou menos um mês, pouco antes das festas de fim de ano. Música alta, bebida circulando, todos contentes, alguns dando vexame e, em meio a tantos ali presentes, Isabel e o marido se encontravam em uma roda com um grupo de amigos, sendo um deles um dos mecânicos da loja, com quem ela trocou olhares discretos, porém apimentados, e que deixavam claras suas intenções. O jovem negro, de porte privilegiado, segundo informações obtidas durante a conversa, praticava boxe e levantava peso, assemelhando-se a um peso pesado. Nenhuma palavra foi trocada entre os dois, exceto em um momento rápido, quando Isabel afastou-se momentaneamente para ir ao banheiro e, na saída, acabou trombando com o rapaz, que deu a desculpa de também estar apertado. Ela entendeu sua iniciativa e, aproveitando a situação, ambos trocaram números de telefone, passando a manter contato daquele momento em diante. As conversas começaram com a sutileza de praxe, aquela que se espera de duas pessoas que, embora já tenham deixado claro terem as mesmas intenções, ainda precisam se conhecer e realmente confirmar sua sintonia. Logo a ousadia tomou conta da cena e ambos passaram a se falar não só diariamente como, também, conversar sobre a possibilidade de um encontro, o que, a princípio, deixou o mecânico inseguro em face do convívio com o marido de Isabel. Mas não demorou para que a mulher o convencesse e que o desejo falasse mais alto. Entretanto, um pedido da mulher não só causou espanto como um temor no rapaz, causado pelo senso de precaução.

- Para com isso... aqui, na loja? Como que vai rolar aqui, seu marido vai tá trabalhando e tem o pessoal aqui da oficina. Embaçado isso aí...

- Não se preocupa, não. Eu sei que ele não desce na oficina e que o pessoal daí não fica de muito papo com quem é do escritório. Relaxa, se precisar a gente conversa com seus amigos e eu faço eles ficarem contentes pra não falarem nada. Mas não comenta com eles...

O mecânico riu, gostando da ideia da esposa do colega. Achava divertido o fato de possuir a mulher de alguém que trabalha no administrativo bem no prédio onde ambos trabalham, embora o motivo principal fosse simplesmente o interesse despertado pelo sexo que seria proporcionado por Isabel. Ela, por outro lado, além do interesse sexual, pensava ainda na depravação envolvida no ato de se entregar não apenas ao colega de trabalho do marido, mas, também, de fazê-lo exatamente no local onde o pão é colhido para a manutenção do lar. Não havia preocupação, tampouco medo ou remorso em fazê-lo, apenas ansiedade em consumar logo o ato, que, até então, havia sido limitado a locais mais discretos e seguros, sem qualquer tipo de risco que não fosse um transeunte que passasse na hora errada e filmasse algo com o celular ou, simplesmente, algo mais rápido e simples, como o escritório do chefe e o ocorrido há pouco no metrô, que ela fazia uso para, durante o transporte, realizar mais uma de suas fantasias e lembrar-se do poder de assediar a quem quisesse e contar com a proteção da lei contra o assédio que fosse praticado contra ela por quem não a interessasse.

 

A caminhada até o trabalho do marido é rápida, mas suficiente para que ela tenha pressa de chegar e colocar seu plano em prática. Isabel não odeia o marido, tem uma vida sexual mais ou menos satisfatória com ele, mas, embora haja sentimento e consideração, não pode evitar de trai-lo sempre que alguém que atice seu desejo a encoraje a fazê-lo. Não tem medo de ser ousada e deixar claras suas intenções, dar um passo à frente e sempre tratou o sexo como uma necessidade tão comum quanto beber, comer e dormir, não vendo por que tratar a satisfação do corpo como algo que deveria ser domado por dogmas religiosos, códigos de ética ou convenções humanas. A monogamia, pensa ela, é uma instituição desprezível, que visa apenas domesticar os instintos básicos de luxúria de qualquer ser humano e seu protesto contra ela se resume no adultério, que ela via não como um pecado, e, sim, como uma obrigação moral. Sem critérios de entrega, bastando que seu apetite sexual seja despertado e ela sinta vontade de ter o homem que tentar a sorte entre suas pernas. No intuito de reforçar seu desprezo pela instituição casamento, faz o papel esposa de família com o marido, com quem faz um sexo limitado, ainda que intenso, guardando práticas mais pervertidas apenas para outros homens. Um sacrifício necessário, pensa ela, não há outro jeito. O marido é trabalhador, cumpridor de suas responsabilidades, mas não há outra forma de mostrar a náusea causada pela convenção monogâmica que não casando e fazendo com que sua união com um homem fosse o protótipo da própria perversão, submetendo-o a passar seus dias crendo na santidade de seu matrimônio enquanto o corpo dela é entregue voluntariamente a outros homens.

Chega até a loja. Cumprimenta alguns funcionários discretamente, passa pela maioria sem chamar a atenção, depois desce até a oficina, onde o gigante negro, como chama o futuro amante, trabalha em um dos carros e sorri ao avistar a moça, deixando de lado as peças e se aproximando de Isabel. Os outros nada dizem, continuam a trabalhar, enquanto ele conversa com a mulher do colega de trabalho e ambos trocam aqueles sorrisos típicos de quem já sabe o que virá a seguir e tenta quebrar o gelo. Alguns dos outros mecânicos, como se já soubessem do que se trata, sorriem e fazem comentários maliciosos entre si, observando a mulher, enquanto o amigo se dirige à copa ao lado de Isabel.

- Rapaziada, vou fazer minha pausa pro café. Daquele jeito lá...

- Beleza, irmão, vai lá. – o casal passa pela porta da copa e o mecânico fecha a porta, puxando a loira escultural de encontro a si, passando a mãos em suas nádegas por cima do vestido e não demorando a levantá-lo, posicionando as mãos sob a calcinha e baixando-a enquanto beija o pescoço e as orelhas de Isabel, levando-a ao delírio. A peça íntima logo está no chão e acaba indo parar sob o sofá da pequena sala, onde o trabalhador se senta e a mulher, ajoelhada em frente a ele, puxa suas calças para baixo, revelando um cacete volumoso e pronto para ser abocanhado. Ela não hesita e o toma com as duas mãos, chupando-o gulosamente, apoiando os braços nas coxas grossas do gigante negro, passando a mão pela barriga definida do amante, lambendo o saco volumoso e subindo a língua da raiz da vara bem-dotada até a cabeça, voltando a mamar. Sabendo que não podem demorar, ele se levanta e a posiciona de costas para si, fazendo com que ela apoie os cotovelos na mesa onde os funcionários fazem o lanche. Apoiando uma das mãos em uma das nádegas de Isabel, ele bate o cacete contra a outra e a mulher, sorrindo, olha por cima do ombro e sorri, com um brilho malicioso nos olhos verdes:

- Come meu cuzinho. Soca essa rola grande e gostosa nele... – o mecânico se espanta, sorrindo maliciosamente enquanto bate o membro contra o clitóris de Isabel, o que faz com que ela lamba os lábios e peça mais uma vez para ser enrabada, o que eleva a excitação do rapaz e faz com que ele posicione a cabeça, empurrando devagar embora sinta, pela largura, que o reto da mulher do colega de trabalho é penetrado com frequência. Não há engano algum na afirmação, uma vez que ela mesma, ao sentir a penetração, se lembra que tudo que é entregue a seus amantes é negado em casa, conforme reza sua oposição às amarras impostas pela monogamia. Por isso entregava seu ânus com prazer a todo homem por quem sentisse desejo e que não fosse seu marido, de modo que o sexo anal simbolizasse a entrega irrestrita e pecaminosa a homens estranhos, proporcionando prazer a eles de forma incondicional e ela fosse tomada sem necessariamente sentir esse mesmo prazer físico, permitindo, assim, que seu corpo se tornasse propriedade e ela se submetesse da forma mais sublime, atingindo a mais alta escala de corrupção do altar onde fez seus votos matrimoniais. Esses pensamentos a excitavam tanto quanto os movimentos rápidos e fortes do mecânico, que segura seus quadris com as mãos sujas de graxa e sente as bolas batendo contra as nádegas fortes da mulher de seu colega, o que o enlouquece ainda mais.

- Soca, meu preto... come o cuzinho da sua puta, sua cachorra, sua vadia... faz o que aquele corno não consegue. – e o mecânico passa a dar tapas nas nádegas de Isabel, que geme alto, mexe os quadris, assim como o gigante negro, que cola o peito nas costas da mulher e toma um seio em cada mão, penetrando selvagemente e levando-a ao delírio. Olhando para cima, ele vê que os outros mecânicos assistem a tudo pelas frestas na parte de cima da parede e sorriem, fazendo gestos e comentários enquanto o colega continua se apossando do corpo da mulher alheia da forma que lhe convém. Sem conseguir se conter, ele se derrama dentro dela, ejaculando demoradamente dentro de Isabel, que empurra o quadril para trás de modo a garantir que todo o esperma do amante seja derramado dentro de seu reto. Em seguida ele se retira, limpando seu membro com guardanapos e ela desce o vestido, ajeitando-o, desistindo de encontrar a calcinha. Os dois se abraçam, tomam um rápido fôlego e ela se despede do amante, que aperta suas nádegas uma com cada mão, beijando-a e dando um último tapa no traseiro de Isabel, que retribui com um sorriso, indo em direção à saída. Os outros mecânicos sorriem para ela, que leva o dedo à boca, pedindo discrição sobre sua passagem por ali, e sorri, como quem deixa a entender que “essas coisas acontecem”, e sobe as escadas até a loja enquanto sente o esperma do mecânico escorrer de seu ânus. Em meio à correria no andar de cima, ela percebe o marido em frente ao balcão, conversando sobre qualquer assunto com os vendedores. Caminhando até o banheiro, ela se certifica de que o cabelo esteja arrumado e o vestido não esteja amassado em excesso antes de se aproximar para cumprimenta-lo.

- Que surpresa, diz o marido, beijando a esposa na boca e abraçando-a, sem perceber um sorriso e um levantar de sobrancelhas para os outros funcionários, que haviam notado sua presença na loja anteriormente e sua descida até a oficina. Ela então explica que estava passando por perto e que decidiu dar um alô antes de ir para casa. Algumas palavras rápidas e ela se retira, indo em direção ao metrô, que provavelmente estará mais vazio em face do fluxo contrário.

Durante o caminho de volta, ela reflete sobre o que acabou de fazer. O alívio que sente é devido à luxúria satisfeita, não do fato de que conseguiu sair da loja sem que o marido esboçasse qualquer desconfiança. Divertiu-se, a manhã valeu a pena, agora se pergunta como será a próxima vez e com quem, sabendo que pretendentes não faltarão. É mulher e tem, portanto, o poder de escolha. No meio disso tudo lembra de uma frase de um de seus filmes favoritos, que dizia que o amor estaria em declínio. Ledo engano, ele nunca esteve: apenas é necessária maturidade para se ver sua verdadeira face, ou, no mínimo, ausência de medo de se vê-la e aceitar que passou a vida sendo enganado por aqueles que tentaram passar uma imagem dele como um sentimento nobre, perfeito e desprovido de qualquer tipo de falha e conseguir encarar que se trata de um lobo vestido de cordeiro que visa apenas satisfazer a si mesmo até quando quem ama dá a vida pelo ser amado, pois, se o faz, é porque a vida sem quem se ama traria prejuízo a si e não à outra pessoa.

À noite, durante o jantar, seja pelo cansaço do trabalho ou por mero esquecimento, o que não é de se surpreender, Isabel trata de vários assuntos com o marido, mas não falam pouco sobre a visita surpresa à loja pela manhã. Nenhum sinal de desconfiança, de possível ocorrência de uma traição, como se uma confiança inabalável na mulher afastasse toda e qualquer dúvida sobre seu caráter ou de que a falta ao serviço pudesse ter sido motivada por algum desvio de conduta. Ela se pergunta se seria em face de uma autoconfiança exagerada que não haveria qualquer tipo de desconfiança das andanças da esposa quando em momento oportuno, se ele saberia de algo e apenas estivesse guardando tudo para uma referência futura, ou, quem sabe, por nutrir uma dependência emocional e física de Isabel que simplesmente não manifestava, pois não consegue imaginar que seja tão simples assim trair sem ser descoberta ou que alguém no serviço do marido não tenha feito qualquer comentário sobre a cena na oficina pela manhã. Ou talvez houvessem comentado e ele dado de ombros e, em face de confiar demais em si mesmo ou na esposa, simplesmente não tivesse dado crédito ao que ouviu.

- E o que você fez de bom hoje, já que não foi trabalhar? E seu chefe não achou ruim?

- Nada de mais, dei uma volta pelo centro, ia ver umas roupas novas e talvez algumas coisas pra casa, mas tudo muito caro. E, o chefe, bom... eu conversei com ele e deixou que eu folgasse hoje se eu repusesse no sábado e colocasse o serviço do escritório em ordem.

- Sábado? Hum, então vou aceitar o convite do pessoal pra jogar bola de manhã. Como você vai estar trabalhando, não vai ter problema. De vez em quando é bom mesmo faltar no trabalho, ainda bem que seu chefe tem esse jogo de cintura e você consegue trocar o horário de boa.

- Ah, sim, quando a gente mostra serviço sempre consegue alguns favores em troca.

A falta de desconfiança, de uma cena de ciúme, por menor que fosse,somadas à estabilidade emocional do marido, causam em Isabel uma irritação que ela, como sempre, faz um esforço para disfarçar. Não consegue ver algo de positivo nessa confiança inabalável que Nelson tem nela, como se a usasse para disfarçar que, no fundo, é um imbecil pedindo, quase implorando para ser manipulado e traído constantemente. Chega a ser uma ofensa à sua vaidade feminina, a ponto de fazê-la se perguntar se ele realmente nutriria um amor incondicional que prova demonstrando segurança nela ou em si ou se, simplesmente, não se importa. Uma amante? Nada impossível, embora ela se pergunte como faria para administrar o casamento e outra mulher, haja visto que tudo que faz, com exceção das cervejas e do futebol com os amigos, é totalmente voltado para o lar. Alguém no escritório, talvez? Ela aproveita as horas de almoço mais longas que o normal para se debruçar sobre a mesa do chefe ou se ajoelhar debaixo dela, é como consegue ocasionalmente ausentar-se do trabalho quando quer e promover encontros como o de hoje, quando atingiu o máximo da ousadia se entregando ao mecânico no local de trabalho do próprio marido. Quem sabe ele não fizesse o mesmo com alguém no trabalho, embora o excesso de serviço durante o expediente dificultasse as coisas para ele.

Ao sair para colocar o lixo fora, Isabel dá de cara com o novo zelador do prédio. Uma troca de sorrisos e um olhar que já deixa claras as intenções da mulher e do homem de aceita-las futuramente, de modo que ela pretende explorar mais esta oportunidade e, provavelmente, ir mais longe na profanação do altar onde fez seus votos e trazer suas aventuras com outros homens não apenas para dentro de casa como acrescentar alguém ainda mais próximo que o funcionário da firma onde o marido se encontra ao seu histórico. Parece um tanto clichê, é verdade, a esposa que se entrega ao zelador enquanto o marido trabalha, ou mesmo ao carteiro, padeiro, entre tantos outros, mas a ideia de fazê-lo faz com que ela se lembre de piadas e estórias que ouvia quando criança e que a excitavam terrivelmente, a ponto de fantasiar ocasiões assim durante o banho ou momentos em que a necessidade tomava conta. Um fogo incontrolável, além do seu próprio desprezo pelo casamento, mais uma vez, fazem com que ela pense em uma nova investida, que só não será posta em prática neste final de semana devido à compensação de horário no trabalho.

Afastando esses pensamentos, ela se recolhe ao apartamento. O resto da noite é tranquila e passada com o marido, em frente à TV.

Lua de Mel por Procuração - a ser publicado futuramente em "A Felicidade é o Ópio da Existência"

A estrada em direção ao interior é agradavelmente arborizada e os poucos cenários urbanos só servem para trazer às mentes do casal a sensação regozijadora de estarem saindo da capital e irem em direção ao sítio onde passarão a semana de lua de mel. Devanir mantem a atenção no volante enquanto Cláudia observa a paisagem, ambos em silêncio, como se quisessem, durante o trajeto, se limitar a observar a paisagem ao redor, os cenários pouco conhecidos e, por que não dizer, evitar errar o caminho até o imóvel emprestado pelo amigo para que passem a semana. O caseiro, segundo lhes foi dito, estará à disposição do casal para o que quer que precisem e já preparou tudo para sua chegada, mantendo a casa limpa, a geladeira abastecida e tudo o que é necessário para que passem uma semana confortável para iniciar sua vida de casados.

Cláudia, embora calada, transborda de felicidade. Tira uma selfie atrás da outra durante o trajeto, apesar dos protestos do marido, que sempre leva o trânsito muito a sério, atitude que conta com a aprovação da mulher em face da preocupação demonstrada por ele. Está casada, finalmente, como sonhava desde a adolescência, quando começou a namorar Devanir. O amor entre os dois demorou para acontecer, de modo que só começaram a namorar meses depois de se conhecerem melhor, como a moça de boa família achava que tinha de ser. Como cavalheiro que é, o rapaz aceitou percorrer todas as etapas necessárias até que ambos finalmente começassem a ficar juntos, tudo de modo o mais tradicional possível e que os transformasse num casal modelo aos olhos dos conhecidos. E ela, como não poderia deixar de ser, mantinha uma atitude tão reservada quanto possível, uma vez que sabe que reputação de mulher é como vidro fino, facilmente se quebra. Ela haveria de manter-se íntegra aos olhos de quem quer que fosse, uma vez que qualquer deslize seu acarretaria também danos à reputação do marido que, como profissional respeitável que é, não poderia correr esse tipo de risco.

Os convites das amigas eram frequentes, mesmo antes do casamento. Algumas chegaram a propor uma despedida de solteira, nos mesmos moldes de uma delas, que entregou seu corpo a um homem bem-dotado um dia antes de sua cerimônia de casamento e permitiu que fosse feito com ela tudo que ele bem entendesse. Outra foi ainda além e realizou uma dupla penetração na noite anterior ao casamento com dois nigerianos enquanto as amigas assistiam a tudo e faziam torcida. Cláudia assistiu tudo e chegou a ficar extremamente excitada com a cena, mas o amor e a fidelidade ao noivo falaram mais alto e ela disse a si mesma que manter-se-ia fiel a Devanir e não aceitaria fazer parte de algo como aquilo, mesmo porque o sexo deveria ser algo inerente ao casamento e não uma aventura à parte ou algo que se faz como uma despedida de uma vida desregrada que ela nunca teve.

Agora seria mulher de apenas um homem, como, aliás, sempre foi. Concordou em manter-se virgem até o casamento, pois amava o noivo, que agora é seu marido, e decidiu fazer tudo como na época de seus pais. Não havia nada de errado em preservar-se até que chegasse a hora, independente daquilo que este mundo pregasse e procurasse fazer entender como liberdade. Não faria sentido algum entregar-se antes de estar oficialmente ligada ao homem que escolheu para passar a vida toda com ela e ambos não terem nada para descobrir um sobre o outro após oficializarem tudo. Seguiria um caminho diferente do escolhido por suas amigas, que preferiram entregar-se a todo tipo de prazer sexual durante a vida e depois conhecerem alguém com quem, supostamente, teriam algo sério. Como se soubessem o que é isso.

- E aí, tá ansiosa?

- Um pouco... eu não vou mentir pra você, mesmo vendo minhas amigas fazerem todo tipo de coisa em matéria de sexo, não me acostumei. É diferente quando é você que vai passar pela coisa. Elas pareciam mais atrizes de filme pornô, mas eu... tô aqui boiando, nem sei como começar.

- Imagina como deve ser isso pra mim. Não é tão estranho quando mulher deixa pra fazer pela primeira vez depois do casamento, é até raro isso acontecer. Mas homem, putz... eu nem comentava isso com a rapaziada porque sei que iam cair matando em cima, iam cobrar, querer me levar pra puteiro, despedida de solteiro e todo esse tipo de coisa...

- Sim, meu irmão me contou algumas estórias. Aliás, não ele, mas o pessoal comenta. Mas não foi despedida de solteiro, até porque ele não é casado, foi na formatura do colégio. O pessoal pagou uma prostituta e ela fez sexo com todas as turmas do 3º ano na mesma noite. Parece que colocaram ela numa mesa e fizeram de tudo com ela. Dá pra imaginar? Quatro ou cinco turmas de homem, como essa mulher deve ter saído de lá?

- Olha, já ouvi falar que elas estão tão acostumadas que aguentam isso e até mais de boa. Pra não falar do dinheiro que ela deve ter ganho naquela noite, seu irmão não disse o quanto pagaram?

- Não, ele nem fala no assunto, até porque meu pai ia dar uma coça nele se ficasse sabendo. Não gosta desse tipo de coisa, você sabe como ele é conservador.

- Ah, sim, sem dúvida. Ele sempre foi uma inspiração pra mim, junto com meu pai. Hmmm, tenho que fazer o balão aqui.

Novamente os dois interrompem o diálogo quando Devanir tem de pegar um pequeno retorno para chegar até a entrada indicada no aplicativo. Uma nova estrada vicinal e os dois podem visualizar vários terrenos residenciais onde, felizmente, parece haver apenas sítios e chácaras onde as pessoas parecem interessadas mais em cuidar do próprio sossego do que da vida alheia. Melhor para os dois, que querem passar cinco dias sem se preocupar com qualquer dos problemas deixados para trás e não ouvir nada além do sossego do campo, composto por grilos, pássaros e, quando muito, o uivo dos cães.

- É essa a entrada, não é, diz Cláudia, eu lembro de quando a gente veio com o Marcos e o pessoal da outra vez. Acho que no carnaval, um ano atrás...

- Essa mesmo. Não tem jeito, eles nunca vão asfaltar essa rua. Ainda bem que não tá chovendo.

O casal entra numa estrada de terra e cercada de vegetação densa, passando por várias propriedades mais ou menos ocupadas pelo caminho por famílias, grupos de amigos e todo tipo de pessoas ou grupos de pessoas. Devanir dirige preocupado não com a condição da estrada, mas, sim, com a possibilidade de errar o caminho. A propriedade do amigo tem o caseiro e está bem cuidada, protegida, mas que tipo de pessoa deve habitar ou alugar aqui em dias de semana? Por isso a preocupação do marido dedicado com a possibilidade de entrar em um local indesejado e terminar por expor a si e a esposa a algum perigo que resulte na subtração de seus bens ou, na pior das hipóteses, da integridade de Cláudia, que chama a atenção pela formosura do corpo e a beleza do rosto.

- Ali. Finalmente. – Ao avistarem o portão do sítio os dois respiram aliviados e Devanir buzina, chamando pelo caseiro. Este não demora a aparecer e, apesar de estar vestindo calça e camiseta, Cláudia não consegue evitar de observar o porte do homem que se mostra completamente o oposto do noivo a seu lado. O caseiro é alto, negro, ombros largos e corpo visivelmente definido. Ele não estava ali da última vez que estiveram na propriedade. A observação da recém-casada dura apenas alguns segundos, depois disso volta a observar a propriedade enquanto o marido estaciona o carro.

- Tarde, seu Devanir, tudo bem como o senhor?

- Tudo bem, Osório? Seu Marcos deixou a chave com você?

- Tá lá na porta, patrão, acabei de deixar tudo em ordem lá dentro. Qualquer coisa que precisar, tô aqui na casa. Uma boa semana pro senhor e sua esposa. Dona Cláudia...

- Tudo bem, Osório? – os dois trocam um olhar rápido e um sorriso discreto, que não deixa transparecer o sem número de cenas que passaram pela cabeça de Cláudia naquela fração de segundo e que ela chega a fingir estranhar. Em seguida, retiram seus pertences do carro e levam tudo para dentro da casa, que parece já à espera dos dois.

- Tudo ajeitado... e tão confortável quanto eu me lembro, diz a esposa, sentando-se ao sofá.

- Marcos quebrou um galhão emprestando o sítio. Tomara que a piscina esteja limpa, com esse calor...

- Nem me diga. Vamos olhar o quarto e a cozinha, depois guardamos as coisas e caímos na água.

Tão logo verificam a casa, os dois trocam de roupa e vão para a piscina. A água é fresca, convidativa, mostrando que o caseiro deixou tudo limpo antes que chegassem e de forma o mais recente possível. Como se a paisagem local instigasse o romantismo dos dois eles passam a maior parte do tempo abraçados, sentados na escada da piscina, sentindo o frescor da água que afasta toda lembrança do mundo exterior.

- Podia passar a vida toda aqui, diz Devanir, sentindo as costas da esposa contra o peito. Muitas vezes eu me pergunto se ia ser interessante prestar um concurso e vir trabalhar no interior ou até abrir um escritório de advocacia pela região, tipo escolher um grande centro regional pra trabalhar e morar numa cidade mais calma na região...

- É adorável mesmo, não tem como negar. Mas será que a gente ia acostumar com tanto sossego? No começo é bom, mas o tempo vai passando, a gente fica entediado... não sei se ia conseguir ficar sempre aqui.

- Sei lá, parece que a cidade me cansa cada vez mais. Violência, transito, fila pra tudo, acho que eu trocaria, sim. Pelo menos faria uma experiência. Talvez não necessariamente num sítio, mas no centro de uma cidade interiorana, mais calma.

- É pra se pensar... pelo menos a gente ia ter o que precisasse por perto e tranquilidade também.

A manhã passa e os dois decidem deixar a piscina para verificar o que irão comer no almoço. Embora tenham verificado as acomodações não trouxeram comida de São Paulo, tampouco conhecem a cidade e sabem onde fazer compras.

- Melhor pedir pro caseiro dar um pulo no mercado mais próximo... a gente não conhece nada, de repente é mais rápido se ele for.

- Vai adiantando seu banho, eu vou falar pra ele ir até a cidade e comprar algumas coisas. Arroz, feijão, carne, talvez a gente até saia de noite pra dar uma volta, mas agora vamos descansar um pouco e curtir o sítio.

- Tá bom, fala com ele.

Cláudia desce até a casa do zelador, já tendo em mente o que deverá solicitar que compre e com o dinheiro em mãos. Por um momento se pergunta se não deveria ter deixado o marido descer até a casa daquele homem para conversar com ele, uma vez que é melhor que homens lidem uns com os outros, no intuito de evitar conflitos desnecessários ou exposições das mulheres a falatórios. A reputação da mulher é frágil e não é preciso muito para que acabe sendo mal falada. Mas logo se lembra que apenas ela, o marido e o caseiro se encontram na propriedade, e que não há por que ficar preocupada com isso. A casa é próxima da principal, coisa de cinquenta metros percorrendo o gramado, o que faz com que ela e o esposo possam ter toda privacidade que quiserem ao longo da noite.

A porta encontra-se aberta quando ela chega à casa do funcionário. É uma construção pequena, de três cômodos, cozinha, quarto e um banheiro. Ela ouve uma respiração ofegante vinda do quarto, somada a gemidos que revelam um esforço considerável tanto para contê-los quanto pela energia gasta que termina por provoca-los. Considerando o porte físico do caseiro imagina que este se encontre fazendo exercícios, mas, em vez disso, ao entrar no quarto, Cláudia se depara com o empregado ajoelhado sobre o colchão onde dorme, atrás de uma mulher de quatro que abraça um travesseiro e sufoca seus gemidos contra ele. Osório a penetra com fúria, velocidade, dando-lhe tapas nas nádegas que levam a mulher a dizer obscenidades e pedir por uma penetração maior, jogando ainda a mão por baixo de si para acariciar os testículos do homem, que passa a penetrá-la mais devagar, dando a impressão de que busca recobrar suas forças ou sentir as carícias da mulher, e deixando aparecer um membro soberbo, tão grosso quanto comprido, que faz com que a observadora abra a boca de admiração e, por que não dizer, curiosidade e excitação.

Cláudia assiste a tudo sentindo um calor que a deixa com as pernas moles e, num dado momento, o caseiro, como que se sentisse a presença dela ali, vira-se para a porta e percebe que a hóspede de seu patrão observa a cena, como se apreciasse cada momento dela, e sorri com malícia, olhando nos olhos da recém-casada, lembrando-se do olhar discreto trocado entre ambos no momento da chegada da hóspede com o marido, enquanto volta a invadir agressivamente a amante, segurando seus quadris e movendo os seus como se quisesse deixar claro que poderia proporcionar aquele prazer a Cláudia se fosse aquela sua vontade. Perdida num misto de desejo e timidez, ela subitamente se lembra o que foi fazer ali e que não deveria demorar, pois isso chamaria a atenção de Devanir. Mas o susto a leva a deixar a lista de compras e o dinheiro cair no chão da cozinha da pequena casa e ela, perdida entre suas reações, deixa o lugar, ofegante, indo a passos largos de volta à casa principal.

Ela percebe que Devanir continua tomando seu banho, o que lhe dará tempo de se recuperar do susto. Embora o costume de comentar suas experiências com o marido pareça tentar falar mais alto, ela logo se dá conta que não é pertinente contar o que acabou de ver na casa do empregado e correr o risco de causar um desentendimento desnecessário. Mesmo porque ela entrou na casa sem se anunciar, o que mostra que o erro foi seu e não que tenha havido alguma conduta repreensível da parte de Osório. Nada de errado foi feito, apenas o susto que tomou, então não há motivo para gerar qualquer conflito. Ela guardará para si aquela memória e também a excitação causada por tudo o que viu, além de tentar entender aquela sensação até então desconhecida, uma vez que sempre viveu um relacionamento puro e inocente com o namorado, que agora é seu marido.

A porta do banheiro se abre e Devanir sai junto com uma pequena onda de vapor. Disfarçando como pode, Cláudia prepara a mesa e, logo em seguida entra no banheiro.

- Falou com o caseiro?

- Falei, sim... deixei a lista com ele. Vou tomar banho.    Ela responde sem saber se as compras chegarão, uma vez que deixou a lista e o dinheiro caírem enquanto estava chocada com a cena de sexo selvagem que acontecia dentro do quarto. A noiva ainda é virgem e masturbava-se com pouca frequência, embora o fizesse quando sentia que o calor do sexo parecia querer tomar conta de si e não queria se entregar a qualquer homem antes de se casar. Agora, enquanto a água do chuveiro cai sobre ela, um calor ainda maior parece tomar conta de seu corpo e ela, pensando na cena que viu há pouco e imaginando-se sendo possuída pelo caseiro da mesma maneira, se toca furiosamente, agradecendo por estar traindo o noivo apenas em sua imaginação. Sabe que hoje será sua noite, que eles farão finalmente pela primeira vez, mas não consegue se conter enquanto pensa no tamanho do membro de Osório, que mais parecia uma cobra que entrava e saía de dentro da mulher que deixava que ele fizesse o que bem entendesse com ela, e se apoia na parede do banheiro sentindo a água quente cair sobre si enquanto um orgasmo fulminante a faz se ajoelhar.

Recuperando-se, Cláudia se levanta e se enxuga, saindo do banheiro para encontrar o marido. Sente-se constrangida, não há como negar... masturbar-se pensando em outro homem em plena lua de mel e antes mesmo de entregar-se ao marido não era o que imaginava para o começo da semana. Felizmente, a coisa não saiu da sua imaginação e ela espera poder compensar o marido logo mais, quando a noite chegar.

- Adorei o chuveiro. O Marcão só compra o que tem de melhor. O caseiro passou aqui pra avisar que tava indo até a cidade fazer as compras. O que você pediu pra ele trazer?

- Ah, arroz, feijão, lasanha pra microondas, macarrão, mistura e aqueles queijos que a gente gosta.

- Com certeza, essa semana tô de boa com dieta e tudo o mais. Só semana que vem volto a regular. Hmmm, você disse lasanha? Agora pro almoço até que ia bem...

- Vai, sim. Deixa ele voltar que já começo a preparar tudo.

Meia hora depois o carro do caseiro para em frente à casa. Como que instintivamente e com a fome batendo à porta, Cláudia caminha até a entrada e logo vê o homem com uma caixa com os pedidos da lista de compras, indo em direção ao caseiro.

- Tá aqui, dona Cláudia, espero que esteja tudo em ordem. Precisa de mais alguma coisa? – quando Cláudia se aproxima para receber a caixa do caseiro as mãos dos dois se esbarram, num segundo que parece durar uma eternidade e que é suficiente para a mulher sentir um calafrio maior que o anterior quando percebe o quão rústica e grande é a mão que a toca, e um olhar tão rápido quanto discreto faz com que ela sinta uma vontade ainda maior de se entregar ao homem, lutando contra ela enquanto pega a caixa de comida, que quase deixa cair, e a última pergunta dele parece ainda adicionar um tempero àquele sentimento ainda novo para ela.

- Opa... não, não, tudo bem, qualquer a gente te chama, obrigada.

- De nada. Seu Devanir...

- Valeu, Osório, obrigado mesmo. O troco é seu.

O caseiro se retira enquanto Cláudia leva a caixa de comida para a cozinha e tenta ignorar o desejo despertado por aquele homem forte, rude, que já comprovou ser um amante vigoroso e que sabe dar prazer a uma mulher, o bastante para que ela sinta a calcinha se umedecer enquanto se lembra da cena que presenciou. O troco deixado pelo marido ao empregado também acaba atiçando sua imaginação, como se ele estivesse pagando o homem com quem a esposa o trairia em plena noite de núpcias. Preparando o almoço, ela procura afastar a ideia de sua mente ou se manter mais discreta possível enquanto tenta fazê-lo. Na sala, Devanir descansa, enquanto a mulher, como se fizesse questão de fazer o papel de dona de casa, prepara a lasanha. A cena presenciada na casa no quintal mais uma vez toma conta da imaginação da mulher enquanto trabalha na cozinha, o que faz com que ela, tão logo termine de preparar o prato, o leve ao forno e vá novamente ao banheiro, fechando a porta. Sentando-se no vaso sanitário ela novamente fantasia momentos que passaria com o caseiro, imaginando como seria ser tomada por ele de todas as formas, uma mais depravada que a outra; ela se ajoelharia para chupar seu membro gigantesco, depois ficaria de quatro para ele, debruçada na pia da cozinha, posicionaria suas pernas nos ombros largos dele enquanto ele olharia nos olhos dela e sorriria com malícia diante daquela recém-casada, que se entregaria em sua primeira noite a um homem estranho sem qualquer pudor enquanto o corno dormisse, sem esboçar qualquer reação. Não demora muito para que ela atinja um orgasmo poderoso, contendo-se como pode para não se sacudir e fazer barulho com a tampa do vaso sanitário, de modo que o marido não saiba o que acontece dentro do banheiro. Aliviando-se, ela lava as mãos e retorna à sala de estar, de onde vê Devanir descansando na rede da varanda.

Quando o almoço sai, os dois estão sentados à mesa, saboreando a lasanha aos quatro queijos e uma garrafa de vinho do Porto. A despeito do calor que faz acabaram concordando que ambos sentiam muita falta da bebida e que, independente do que tomassem, o calor não iria ceder. Conversas sobre o cotidiano voltam a tomar conta da mesa, uma menção à forma como o vinho pode acabar com o nervosismo de ambos, uma vez que se casaram sem ter se tornado íntimos antes disso, pensando em como queriam manter o mistério e a magia da forma antiga como os relacionamentos se iniciavam. Com o fluxo de taças de vinho os dois não demoram a se soltar, cada vez mais, fato que as risadas deixam claro. A lasanha desce saborosa, associa-se ao prazer despertado pela bebida e, assim que os dois terminam de comer, não resta mais qualquer espaço para inibições. Como se buscasse eliminar todo e qualquer nervosismo na hora de deflorar a esposa, Devanir bebe uma última taça, totalizando duas a mais que a mulher, que pega o marido e lhe dá um beijo demorado, seguido de um abraço apertado e tão longo quanto. Não demora muito e os dois, com um olhar, ali, no meio da sala, passam a tirar a roupa, e Devanir, terminando antes de Cláudia, ajeita o sofá-cama, onde ela se deita em seguida, abrindo os braços e as pernas para receber o marido, que vem sobre ela sem esconder a excitação e a ansiedade.

Abraçados, os dois voltam a se beijar. A mulher acaricia a nuca e as costas do esposo, que segue beijando sua boca e posicionando seu membro junto à fenda que já se mostra quente e úmida, pronta para recebe-lo e finalmente consumar na prática a união dos dois. Entretanto, a penetração demora, apesar de Cláudia sentir a cabeça cutucando seu sexo e o beijo, estranhamente, toma uma movimentação mais lenta, apática, até que cessa totalmente e, da boca, resta somente a vibração gerada por um ronco, revelando que Devanir havia pego no sono. Pouca tolerância ao álcool, como Cláudia já sabia que o marido possui, pouca água consumida ao longo do dia, pensa ela, tudo isso deve ter influenciado para que a bebida, consumida em excesso, terminassem por derrubá-lo, mas ela não esperava que, estando o marido eufórico como estava, isso pudesse acontecer justamente na hora em que os dois estivessem para consumar o casamento pelo qual esperaram tanto. Ela o posiciona deitado no sofá, saindo de debaixo dele, e se levanta, observando o homem franzino que agora ronca, embora há pouco parecesse deixar entender que iria fazer com que ela iniciasse a melhor fase de sua vida, mas, em vez disso, o que lhe proporcionou foi algo não só antirromântico como também indigno de um marido, que agora permanece deitado e exibindo um membro diminuto e mole, que nem de longe poderia proporcionar a ela algum prazer.

Isso não é papel de um homem que se dê o respeito, pensa ela. Aliás, não é papel de homem algum. Deixar a esposa desamparada em plena lua de mel? Não basta o quanto esperou por este momento, o quanto se preparou para ele, deixando de lado tantas oportunidades de que poderia ter usufruído para obter prazer com outros homens, agora tinha que se deparar com uma visão como essa? No entanto, ela para, pensa e, no fundo, sabe que não é apenas a presente condição do marido e sua primeira vez arruinada temporariamente que a deixam dessa forma. Como se a embriaguez a levasse a ser mais sincera consigo mesma e novamente as cenas presenciadas horas atrás voltassem a tomar conta de sua mente, ela sente novamente o mesmo calafrio de excitação que tomou conta de seu corpo retornar, lembrando-se do caseiro e da forma como ele possuía uma mulher horas atrás. Ela logo percebe como quer passar as próximas horas, o que realmente quer e, mais do que nunca, o nome de Osório lhe vem à mente, o que faz com que ela pegue o interfone e, com todo e qualquer tipo de censura ou pudor talvez diluídos pelo vinho, liga para a casa do empregado.

- Osório? Dona Cláudia, diz ela, sorrindo. Dá uma subida até aqui, faz favor. – o homem responde afirmativamente, desligando em seguida. Sentando-se em um poltrona, a mulher começa a se masturbar enquanto pensa que logo o caseiro bem-dotado estará ali, que a porta está aberta e que não levará tempo até que ele a veja na condição em que se encontra e, fatalmente, entenda o que ela quer e faça com que sua primeira noite possa valer tanto a pena quanto ela planejava que valesse com o esposo.

Sem demora, o caseiro passa pela porta da sala de estar e presencia a cena ocorrida. A princípio lhe causa estranheza ver o marido roncando pelado no sofá da sala, mas, ao olhar de lado, vê Cláudia se masturbando na poltrona e não esconde uma expressão maliciosa, retribuindo a que vê no rosto dela, que lambe os lábios e lança um olhar faminto na direção do membro de Osório, que não demora a entender as intenções da patroa temporária. Ele tira a camiseta e se aproxima da mulher, que deixa de se masturbar para ajoelhar-se em frente ao homem, como se tudo que precisasse saber subitamente lhe viesse à mente, e baixa o calção que ele veste, deixando amostra o membro que não se encontra totalmente ereto mas que já mostra um tamanho respeitável. Como se o fogo que emana de seu sexo falasse mais alto e eliminasse, junto ao vinho, todo pudor e vergonha que poderiam estar presentes ali, a recém-casada toma o membro de seu primeiro amante à mão e o leva à boca, chupando-o com vontade, praticamente ignorando que estava traindo seu noivo e prestes a entregar-se a um estranho em plena lua de mel, fazendo dele seu primeiro homem e renunciando totalmente aos votos feitos um dia antes. Como se isso a excitasse mais ainda, logo o empregado do sítio já está completamente nu e ela se levanta, puxando-o pela rola privilegiada até o quarto.

- O corno do meu marido tem um pau muito menor que o seu... e broxou na hora de tirar minha virgindade. Já que ele não foi homem pra isso, então vai ter que ser você...

 Sem dizer nada, o caseiro se posiciona sobre ela, que se deita e abre as pernas, encarando o amante com uma expressão de malícia e depravação, enquanto ele sorri e bate com o membro na fenda de Cláudia, posicionando-se logo em seguida para dar início à penetração, que ocorre devagar. O desejo aos poucos dá lugar a prudência, o que ela deixa claro em seu olhar, que encontra os olhos do caseiro em meio a uma expressão de confiança e malícia. No final das contas, não se encontrava tão embriagada assim. O membro gigantesco entra devagar e ela sente uma dor agradável enquanto ele abre espaço até o interior da mulher alheia, que ignora tanto a aliança no dedo quanto o marido deitado no sofá da sala, que permanece totalmente inconsciente e alheio tanto ao fato de que é outro que agora toma posse daquilo que sua mulher havia reservado durante anos para ele quanto para a indiferença que isso causa a ela enquanto se entrega sem qualquer pudor ou vergonha. Logo já está sentindo os testículos baterem contra si, enquanto aquele homem rude passa a penetrá-la com ferocidade ainda maior, e ela diz palavrões e obscenidades que não havia sequer cogitado dizer para o marido quando ele a tomasse por mulher.

- Soca, filho da puta, enfia esse cacetão gostoso nessa boceta que é sua...

Osório sorri, enfiando cada vez mais forte. Como se a excitação fosse tamanha que Cláudia nem se preocupasse mais com o fato do marido estar dormindo a poucos metros dali, ela geme alto, ofegante e o caseiro, tomando total controle da situação, retira-se dela e coloca a mulher de quatro, batendo com o membro em suas nádegas para voltar a penetrá-la em seguida, enquanto ela abraça o travesseiro e ele volta a invadi-la com mais força do que antes, já não ligando mais para a condição de empregado e tomando total posse da mulher que um dia antes deixou o altar e que, agora, praticamente assina uma procuração para que ele a deflore, como o marido traído não foi capaz de fazer.

- Fode, meu gostoso... mostra pra sua putinha como homem de verdade faz... depois vou falar pro cornudo que você tirou meu cabaço porque ele não foi homem pra fazer isso...

Como se as palavras da noiva profanada o excitassem mais ainda, Osório sente sua ereção se prolongar e o membro já avantajado toma proporções maiores dentro de Cláudia, que geme, mexe e se joga para trás no intuito de conseguir uma penetração ainda maior por parte do amante. Pouco depois, ela o está cavalgando, sentindo uma mão dele em cada nádega e rebolando como uma possessa sobre o cacete cavalar que parece não conhecer rendição quando o assunto é proporcionar prazer àquela mulher de pele branca e macia. Em seguida, ela está novamente de costas para o homem, que a toma de quatro mais uma vez, até não suportar mais e, finalmente, liberar todo seu prazer dentro da mulher, que sente o leite quente do criado inundar suas entranhas. Os dois se quedam exaustos, ela deitada com a cabeça no peito definido do caseiro enquanto acaricia o membro agora mole, mas, mesmo assim, com tamanho considerável. Vendo que Devanir permanece adormecido na sala, os dois vão até o banheiro, tomam um banho e ela, como prova de agradecimento, ajoelha-se diante do caseiro e mama com carinho e vontade uma vez mais, até que ele goze abundantemente em sua boca, sem que ela desperdice uma só gota e deixe que tudo desça por sua garganta. Beijando a cabeça, ela se levanta, os dois tomam um banho e, com um beijo, se despedem. No sofá, o marido, agora cornudo antes mesmo de consumar o casamento, continua adormecido, sem dar qualquer sinal de que poderia ter acordado e notado que algo estava errado. Mais por querer simular que tudo estava exatamente como antes e que nada havia ocorrido do que por algum peso na consciência, ela se deita ao lado do marido no sofá, esperando que ele acorde naturalmente.

Horas depois, já quase de noite, Devanir acorda:

- Meu, que dor de cabeça... que horas são?

- Quase 19:00. Você caiu no sono na hora em que ia rolar.

- Ah, caramba, não acredito que eu fiz isso... tomei vinho pra cacete achando que ia melhorar o desempenho e foi o contrário, acabei caindo no sono. Devia ter lembrado que sou meio fraco pra bebida.

- Tá tudo bem, amor, a gente pode tentar de novo mais tarde. Eu tomei um banho e fiquei cheirosinha pra você. Quer tentar de novo agora?

- Não sei, tô com uma dor de cabeça... será que vou conseguir? – como se buscasse estimular o marido, Cláudia passa a acariciar seu cabelo e o abraça em seguida, logo percebendo alguma ereção tomar conta do membro, que atinge brevemente a consistência certa para penetrá-la. Por um momento ela se pergunta se o corno irá notar que ela talvez se encontre mais larga por ter sido penetrada pelo membro de Osório, que é muito maior, e se o esperma que o caseiro ejaculou dentro dela não iria despertar alguma suspeita quando sua fenda parecesse mais lubrificada que o normal. Talvez pelo desconhecimento da anatomia feminina o recém-casado não faz qualquer menção a algo que pudesse estar errado com a mulher e segue penetrando a esposa, num típico papai-mamãe que não chega a despertar nela qualquer excitação ou entusiasmo, levando-a a gemer baixo, numa atuação que visa mais demonstrar estar sentindo algum prazer do que por realmente sentir algum. A comparação com o empregado do sítio, que a deflorou minutos atrás, torna-se inevitável e ela se pergunta como seria possível que aquele homem rude, completamente estranho ao seu relacionamento e que talvez nunca fosse escolhido por ela para dividir o resto de seus dias, ter sido mais capaz de lhe proporcionar prazer do que este, que ela ama mais do que tudo desde sua juventude e que agora revela-se metade do homem que ela acreditou que fosse, como se toda sua masculinidade e mais um pouco houvessem sido transferidas para o outro, este sim capaz de satisfazê-la e agradecer pelo dia em que foi anunciado que ela nascia mulher. Os poucos minutos entre a ejaculação, que ela finalmente sente jorrar dentro de si, e a ereção suficiente apenas para que o corno a penetrasse, parecem eternos, ao contrário do que deveria ser. É isso, então, ela se pergunta. Casada até o final dos meus dias com um meio-homem que não vai ser capaz de me proporcionar um orgasmo ou mesmo algum prazer explorando meu corpo, fazendo de mim nada além de uma vagina mal servida por um pênis subnutrido?

- Putz, que delícia... valeu a pena ter esperado tanto...

- É... – o sorriso dela é tão dissimulado quanto o prazer que demonstrou há pouco. Diante disso, ela pensa no futuro, nos anos que deverá passar com aquele homem a quem jurou fidelidade e que, por que não admitir, ama mais do que tudo, mas que já se mostrou completamente incapaz de excita-la ou de causar comichões ou o que quer que seja durante uma relação sexual. O membro, no máximo de sua ereção, não foi capaz de preenche-la, enquanto o de Osório inundava seu sexo, fosse no comprimento ou na espessura, para não falar na quantidade de esperma depois do ato, a variedade de posições e a forma como ele a acariciava. Ainda que Devanir evoluísse com o tempo dificilmente iria conseguir se equiparar ao outro homem. E ela, como iria ficar neste fogo cruzado? Não tinha sequer coragem de chupar o membro do marido como fez com o caseiro, pois a pequenez do instrumento não a estimulava a isso.

Os dois tomam banho e se preparam para ir à cidade jantar. Osório lhes dá as coordenadas e não demora muito até que cheguem ao centro, onde encontram alguns restaurantes que servem uma comida boa e caseira. Ambos evitam o consumo de álcool em face da tarde regada a vinho e jogam conversa fora durante a refeição enquanto a esposa procura manter-se alheia aos fatos ocorridos ao longo do dia que, se não mudou completamente sua relação com o esposo, no mínimo irá influenciar totalmente a vida íntima dos dois dali em diante.

Após o jantar, uma caminhada pela cidade encerra a noite, e o casal volta para o sítio logo em seguida. Alegando estar cansada por causa do vinho consumido, Cláudia sugeriu que dormissem cedo. Devanir não protesta, demonstrando que o sexo com a esposa o deixou exausto e uma nova comparação com o caseiro acaba vindo à tona, uma vez que o homem não apenas possuiu uma mulher pela manhã como conseguiu iniciar a vida sexual de Cláudia em grande estilo, como só um garanhão bem-dotado faria. Deitada na cama ela percebe que Devanir caiu no sono rapidamente e, inevitavelmente, conclui que os fatos ocorridos naquela lua-de-mel alterariam para sempre sua existência e seu casamento. Amava o marido sem dúvida, mas não teria como se satisfazer com ele, o que a lançaria numa vida de busca por homens capazes de proporcionar a ela momentos na cama que a fizessem enlouquecer. Talvez não pensasse desta forma se não houvesse presenciado a cena com Osório pela manhã, talvez não tivesse tido a ousadia de se entregar ao caseiro em plena lua de mel se não fosse pelo vinho que havia tomado, mas isso não importa. O que está feito, está feito. Ela foi apresentada ao membro de outro homem, sentiu o sêmen dele jorrar em suas entranhas e está mais do que claro que, entre seus deveres de esposa fiel cumpridos diariamente, deverá sempre haver espaço para que outro ou outros a preencham, pois não consegue se imaginar amando outro que não o esposo. Seriam amor e sexo duas coisas ligadas incondicionalmente, que não poderiam jamais se separar? Poderia o desejo se deixar escravizar por convenções, dogmas e códigos religiosos? Apesar da criação familiar que teve e de ser suspeita para falar no assunto, fica cada vez mais claro para ela que não.

Ao observar o marido adormecido, ela se lembra de Osório. A lembrança do caseiro volta a fazer com que o fogo entre suas pernas se reacenda, de modo que a recém-casada não se contenha e, lembrando do sono pesado de Devanir, se levante, calce os chinelos e se vista. E, como se sua vida dependesse daquilo, sai para o quintal, descendo em direção à casa do caseiro.


 

O sono do amado - da obra "Refém"

William sempre teve sono pesado, mas, há alguns dias, passou a ter maior dificuldade para dormir. Ou ao menos a se policiar mais e cuidar para que continuasse acordado até as duas da manhã, quando Amanda espera que ele esteja adormecido e deixe a cama novamente. O hábito vem afetando sua rotina diária, mas, sem ter como evitar, ele continua mantendo-se desperto de forma que possa acompanhar as saídas ocasionais da namorada da cama, quando ela passa cerca de uma hora no quarto ao lado, ou estando ciente de que o namorado não irá acordar ou retornando constantemente ao cômodo onde dormem para se certificar de que o mesmo continua dormindo.

No outro quarto do apartamento, que o pai de William havia alugado para que o jovem morasse enquanto cursa a faculdade de Medicina em São Paulo, encontra-se Ademir, que tem sido seu melhor amigo desde a infância. Os dois se conheciam há cerca de dez anos, ainda no primário, e compartilhavam os mesmos gostos em vários aspectos, o que fez com que protagonizassem juntos um certo número de viagens, festas, eventos e todo tipo de coisa que garotos de sua idade pudessem fazer. Durante esse tempo, no colegial, William conheceu Karen, que vem sendo sua namorada desde o primeiro ano. Neste meio tempo ele revezava seu tempo entre a amizade com Ademir, os estudos e o tempo passado com a namorada, com quem tinha um relacionamento que mais lembrava uma estória romântica. Como amigos que eram, estavam quase sempre por perto um do outro, companhia que muitas vezes era complementada por outros colegas de escola e, após a formatura do ensino médio, ambos prestaram o vestibular para Medicina em São Paulo, sendo aprovados. Karen ingressou na faculdade de Direito, também na capital, e, após conversas com os pais, conseguiram convencê-los a alugar um apartamento em São Paulo para que pudessem morar juntos enquanto estudassem aqui. William, como não poderia deixar de ser, insistiu para que Ademir viesse junto e os três passaram a dividir o apartamento de dois dormitórios na área central, próximos à faculdade.

Não se passaram ainda seis meses desde que começaram o curso. Seja como for, ele se pergunta quando foi que as coisas começaram a dar errado e se algo que ele havia feito teria sido fator determinante para que as coisas acabassem assim. Teria tudo começado ainda em sua cidade natal, no interior, ainda que de forma menos intensa? Nunca houve da namorada qualquer sinal de que algo a estaria deixando insatisfeita ou de que tivesse qualquer intenção de abandoná-lo mas, de qualquer forma, sim, ele estava vivendo aquela situação, sem saber exatamente como reagir a ela e, mesmo através de sua omissão, tomando uma atitude sobre o assunto.

Foi há duas semanas que tudo aconteceu. Preocupado com uma das primeiras provas, William não conseguia dormir, mas, como não queria incomodar a namorada, não lhe disse nada e deixou que descansasse. Porém, foi em meio a estas divagações sobre a faculdade que ele percebeu que Karen, cuidando para que não fosse feito qualquer movimento brusco para que o namorado acordasse, saiu da cama e deixou o quarto, fechando a porta. Ele se virou em seguida e percebeu que o roupão que usa normalmente para se cobrir ainda estava ali, o que significava que havia saído seminua para onde fosse, o quarto, sala de estar ou, mais provavelmente, o banheiro, já que não iria para a sala de estar sem se cobrir, sabendo que Ademir se encontrava dormindo no quarto ao lado.

Passaram-se cinco minutos; não se ouvia nenhum som vindo do banheiro, nada vindo da sala de estar, a televisão não estava ligada. Na cozinha, nenhum sinal, não se via qualquer feixe de luz sob a porta do quarto, o que lhe levou a indagar o que a namorada poderia estar fazendo fora da cama. Estranhando o comportamento, que não era familiar, ele se levanta e, procurando fazer silêncio para não acordar o amigo no quarto ao lado ou como se já soubesse o que iria flagrar minutos depois, ele caminha silenciosamente e abre a porta do quarto, confirmando o que já havia percebido antes; nada na cozinha, nada na sala de estar ou no banheiro, tudo apagado. Por outro lado, um ruído estranho vinha do quarto de Ademir, o único lugar onde a namorada poderia estar e, atraído por ele, William caminha em direção à porta e a abre devagar, fazendo um esforço sobre-humano para manter o autocontrole quando presencia a cena iluminada pela luz que vem da rua: a namorada ajoelhada, diante do melhor amigo, tomando seu membro com as duas mãos e levando-o à boca com fome quase que insaciável, às vezes masturbando-o e batendo com o falo gigantesco contra seu rosto, dizendo obscenidades em tom baixo para não acordar o namorado que, sem que ela soubesse, observa o ocorrido pela fresta da porta. Em pouco tempo os dois estão nus e, de tão envolvidos, seja nas carícias que antecedem o ato como no sexo que compartilham logo depois, sequer pensam em olhar para a porta e se certificar que o namorado traído não estaria observando os dois. Ela apenas se entregava ao melhor amigo do namorado, sem demonstrar qualquer pudor ou arrependimento, quase implorando que ela o invadisse da forma mais depravada possível, como se sua vida dependesse daquilo.

Ele volta, então, para o quarto, e se deita, sem saber exatamente o que pensar daquela situação. Passa-se cerca de uma hora antes que a namorada volte e se deite, caindo logo no sono, como se não houvesse no que pensar e o que ocorreu minutos antes fosse algo perfeitamente normal. William não adormece até o amanhecer e, ao dia seguinte, faz de tudo para agir como se nada houvesse acontecido e tanto um como o outro o tratam normalmente, sem qualquer indício de que algo tivesse ocorrido entre os dois.

Agora, ele está ali, deitado em sua cama, e, novamente, Karen deixou o quarto, como ocorre em média de duas a três vezes na semana, sem que haja dia certo. Ele se pergunta sobre outras ocasiões ao longo dos dias, se o mesmo aconteceria; enquanto ele toma banho, ou enquanto sai à padaria ou durante suas leituras na biblioteca, quando não está com o amigo e a namorada está cuidando de assuntos de seu curso. E mais, seria o amigo o único? Se ela tem coragem de trai-lo debaixo do teto onde moram, por que não o faria com outros? E, caso haja mais, quantos seriam? Impossível saber, ou se dedicaria aos estudos ou a tentar descobrir o quanto é traído pela namorada, já que sabe que se isso acontece ou não já não é dúvida alguma.

Entretanto, é refém da situação. Sabe que é traído, mas também sabe do que sente pela namorada e, por que não dizer, pelo amigo, que tem como irmão desde sua infância. Jogaria aquilo tudo fora? Ficar sem os dois não seria algo ainda pior do que passar as noites sendo traído por eles? Haveria um dia em que teria de encarar o fato de que ela iria embora com ele e o deixaria para trás como, indiretamente, já está fazendo? Só o tempo diria.

Ela entra no quarto, ele se vira na cama, encarando a namorada. Indagando sobre onde estava, de forma contida, ela responde que havia ido ao banheiro, que estava com dor de barriga. Ao se deitar, beija o namorado na boca, fazendo-o sentir um gosto amargo, como se ela o batizasse com o sêmen do outro que, minutos atrás, jorrou em sua boca. Não há qualquer sinal de que algo possa estar errado, ela apenas lhe dá boa noite e se deita e ele, sem esboçar qualquer reação quanto à atitude daquela com quem talvez viesse a se casar anos depois, apenas se perguntava se aquele era o fundo do poço ou mesmo se havia o fundo de algum poço a atingir.

 

 

 

O plano superior - da obra "Toda Blasfêmia Será Abençoada"

 

Érico não se sente bem. Seus pensamentos são confusos e perturbadores e ele se pergunta sobre os acontecimentos dos últimos minutos. Lembra-se de que, de repente, não podia ver mais nada e se pergunta se não teria sido atacado por um assaltante ou talvez um bando deles. Tudo o que sabe agora é que está perdido, caminhando por uma estrada que não conhece e, como se não bastasse, sem ter a menor ideia de como veio parar ali.

Apesar da paisagem bonita, do céu azul e do clima típico de interior, que o fazem lembrar de quando pegava a estrada com seus pais em viagem, ele não consegue desfrutá-la e se pergunta apenas como foi parar naquele local. Procura por sua carteira, seus documentos e nada encontra, logo se dando conta de que realmente foi assaltado ou ao menos que esta poderia ser a única coisa em que poderia acreditar. Alguém teria posto algo em sua cerveja? E Claudionor, por que não está com ele? Teria o amigo sido morto por assaltantes ou coisa pior? Por que não há uma só memória de como Érico foi parar neste lugar? Só pode ter sido colocado em um carro e deixado por ali, mas por que ladrões ordinários, que levaram bens de pouco valor, se dariam a este trabalho? Não demora muito e ele começa a se perguntar se teria sido sodomizado pelos sequestradores, embora não sinta qualquer dor ou outro sintoma que indique que ele teria sofrido alguma violência física.

Estranhamente, algo de que não se lembra é de ter acordado... quando recobrou sua consciência já estava nesta estrada, caminhando e se perguntando sobre seu paradeiro atual. Outro mistério para somar à lista, seria este o efeito da droga que teriam usado para sequestra-lo? Dividido entre as dúvidas e o desespero de descobrir onde está para começar logo a procurar o caminho de volta para casa, ele continua caminhando. Seu celular e seu relógio também não estão com ele, bem como as chaves de sua casa e de seu carro; somente as roupas do corpo permaneceram, deixando-o ainda mais desesperado e, como se isto não bastasse, esta maldita estrada não possui uma placa que indique onde está ou quanto terá de andar para chegar à civilização. E os carros? Que lugar esquecido por Deus seria este, onde nem um veículo sequer passa por ele desde que começou a caminhar? Não há casas ao redor, não há pessoas, tudo que ele vê é um vale verde, estranhamente bem cuidado e, curiosamente, transmissor de um sentimento de paz que, aos poucos, faz com que ele caminhe de forma mais tranquila enquanto busca por uma solução para seu problema. Ele mesmo chega a estranhar porque pensa cada vez menos sobre o que pode ter acontecido à medida em que caminha pela estrada, além do fato de não ofegar ou ao menos se cansar depois de já ter caminhado depois de um certo tempo.

Há quantas horas está andando? O dia está claro, o sol está brilhando, mas ele não sua. Nem uma gota. Seus joelhos não doem e seus pés estão tão relaxados como se estivesse sentado em um carro como passageiro, talvez até mais. Ele pensa em Amélia e em como vai explicar a ela que não conseguirá estar em casa a tempo para o jantar. Ele queria chegar cedo e preparar algo especial em comemoração ao aniversário de casamento dos dois, mas esta preocupação acaba, aos poucos, sendo estranhamente amortecida. Ele se pergunta se a estrada não estaria tendo um efeito estranhamente relaxante sobre ele ou se não estaria mais cansado do que imagina e, por isso, talvez estivesse alucinando. Mas sabia que não poderia parar, do contrário não conseguiria sair deste pesadelo e voltar para casa. Incrível o que pode acontecer quando você passa rapidamente no bar para tomar uma cerveja com um camarada do serviço, pensa ele.

A estrada parece subir e descer, causando mais tédio que cansaço à medida que anda por ela. Subitamente, a sorte parece mudar de humor quando ele avista, finalmente, uma cidade, visivelmente pequena, e, instintivamente, aperta o passo, no intuito chegar logo até onde possa encontrar habitantes, algum rosto humano que não conseguiu avistar durante sua caminhada, e ouvir uma voz que lhe ofereça alguma ajuda e talvez esclarecimento sobre a estranha situação em que sente se encontrar.

Com um estranho clima de cidade pequena e pacata, ele não demora a se aproximar da primeira roda de amigos que se encontra em uma praça. Os jovens notam sua presença e também que se trata de um forasteiro. Não há reação de repulsa ou boas vindas, todos permanecem em seu humor atual até que Érico, num clima mais eufórico, quebra o silêncio e indaga sobre onde poderia estar:

- Opa, beleza, rapaziada? Escuta, eu tô perdido... Acho que puseram alguma coisa na minha bebida, eu devo ter desmaiado e acabei vindo parar aqui. De repente apareci na estrada sem documento, celular, relógio, e não tem nenhuma placa na estrada falando que lugar é esse... Será que vocês podem me ajudar?

- Ah, amigo, não esquenta com isso. Vai ficar tudo bem, logo tudo vai ser esclarecido e você vai acabar se acostumando com o lugar. No começo leva um tempo pra se entender as coisas, mas, depois, você acaba vendo que estar aqui é a melhor coisa que já te aconteceu.

- De qualquer forma a prefeita logo vai aparecer e vai começar aos poucos a te explicar como as coisas funcionam aqui. Relaxa, as coisas que você deixou pra trás nem vão te fazer falta. – Diz outra jovem, repetindo o tom de voz calmo e a expressão relaxada, quase alegre, do amigo.

- Como assim, relaxar. Me acostumar? Eu não quero me acostumar, eu quero achar o caminho de volta. Tenho mulher me esperando em casa, ela nem sabe que eu sumi, e sem um telefone não dá sequer pra entrar em contato com ela. Nenhum de vocês tem aí um celular que eu possa usar?

Os jovens quase riem. Olham uns para os outros com uma expressão que não chega ao desdém, mas que reflete seu ponto de vista sobre as perguntas de Érico, como se o vissem como mais um visitante que desconhecia a forma como aquela cidade funciona.

- Não, amigo, ninguém usa celular aqui, até porque dificilmente nos comunicamos com outros lugares. Não temos necessidade deles.

- Dificilmente...? Bom, é melhor eu ir andando porque o tempo não para e devem estar preocupados comigo em casa. Firmeza, pessoal!

- Tempo é a menor das preocupações que a gente tem aqui, velho... – Buscando manter a calma, Érico se afasta da estranha roda de amigos. Acreditando que o grupo estaria drogado ou bêbado, embora não tenha notado qualquer cheiro estranho ou presença de garrafas de bebida, ele se afasta, ciente de que é mais importante buscar uma saída daquele local do que perder tempo insultando os desconhecidos. Ele começa a caminhar pela cidade e, observando as pessoas ao redor, se pergunta quem poderia abordar em busca de uma informação sobre como entrar em contato com sua esposa.

Após alguns minutos se decidindo, e, apesar do nervosismo, continuar sem suar ou ofegar, ele se aproxima de uma banca de jornais bem arrumada, com acabamento em madeira bem envernizada. O jornaleiro é um homem de idade, óculos, usando cardigan, calça social, sapatos e boina, lembrando agradavelmente Érico da figura típica do jornaleiro local. Ele chega a cogitar, pela primeira vez, estar gostando daquele local, se esquecendo momentaneamente do nervosismo que sua procura chega a causar.

- Bom dia, senhor, será que pode me ajudar?

- Pode falar, garoto, o que é que tá te incomodando? É novo por aqui, acho que ainda não te conheço...

- Não, não, na verdade eu me perdi. Eu tava bebendo com um amigo e, do nada, me vi numa estrada, caminhando durante um tempão, até, finalmente, vir parar nesta cidade. Mas como não vi placa nenhuma em lugar nenhum, não tenho nem ideia de onde eu estou ou sobre como voltar...

- Nem esquenta a cabeça com isso, rapaz. Até porque ninguém aqui está perdido, muito pelo contrário... Se está aqui você já se encontrou, todos os seus problemas tão resolvidos. Não tem lugar melhor pra você estar do que este.

- Ninguém está...? Senhor, eu não sei qual a situação do povo aqui, mas eu tenho uma vida pra onde voltar, tenho minha casa, minha mulher, e não tenho a menor ideia de como vim parar aqui. O senhor não sabe de uma estação policial onde eu possa pedir ajuda, tem um telefone que eu possa usar, qualquer coisa assim?

- Olha...Tudo o que você precisa saber é que não tem com o que se preocupar. E não, a gente não usa telefone aqui. Não tem internet também, o povo aqui não tem necessidade de se comunicar com o mundo exterior, salvo certas ocasiões, diz o jornaleiro, com um tom educado, mostrando hospitalidade.

- Como assim, não tenho com o que me preocupar? Senhor, não me leve a mal, mas já tô começando a achar que o povo dessa cidade é completamente doido! Nenhum telefone, nenhum carro na rua, não tem postes e nem linha telefônica... Que lugar esquecido por Deus é esse? – o homem sorri.

- Não, jovem, Deus não tem nada a ver com isso... Mas tudo bem, eu entendo que você esteja apreensivo, quando eu cheguei aqui também foi bem repentino e eu levei um certo tempo pra aceitar. Logo você se encontra com a prefeita e aí ela vai te explicar como as coisas funcionam.

-Eu não quero falar com prefeita nenhuma, eu quero achar o caminho de volta pra casa, ver minha mulher, sair daqui! Não quero me acostumar com esse lugar ou com qualquer outra coisa que seja! Tô tentando ser legal, manter a calma, mas, pelo jeito, aqui isso vai ser um desafio!

O jornaleiro sorri, e, então, senta-se em sua cadeira, apoiando os cotovelos sobre as coxas. Érico se afasta, continuando sua caminhada e abordando o máximo de pessoas possível, desde um comerciante a um frentista, passando por um casal, todos utilizando os mesmos argumentos e, como não poderia deixar de ser, fazendo referência à prefeita daquela cidade. Sem saber o que fazer e vendo que talvez tenha de nadar conforme a maré, ele decide ceder, e aborda um último transeunte perguntando-lhe onde encontrar aquela que talvez seja a única que possa indicar-lhe alguma rota certa para seguir.

- Amigo, como eu chego até a prefeitura?

- Praça central, velho, é só seguir em frente. Não tem como errar, você tá no caminho certo.

Ansioso por finalmente encontrar uma solução para o problema, ele caminha rumo à prefeitura. No caminho observa um pouco mais a realidade do local, as montanhas ao redor, o cenário bem arborizado, as florestas nas proximidades e a bela arquitetura das casas. O ar é de uma pureza que ele nunca havia respirado, já que sempre morou em São Paulo, e tudo é de uma limpeza tamanha que novamente ele considera permanecer por ali, como se, estranhamente, começasse a se conformar com os acontecimentos atuais de uma forma que nem mesmo ele consegue entender.

Afinal, que local seria esse? Sem linhas telefônicas, internet, carros, placas, sem comunicação com o mundo exterior. De onde viria toda esta autossuficiência? Como seria possível manter o local sem qualquer contato com outras cidades se a localidade é visivelmente residencial? Este parece ser um assunto interessante em que se pensar. Subitamente ele pensa em procurar um hospital para saber se foi ou não drogado ou envenenado, o que teria resultado em tudo que está acontecendo. Mas, antes de tudo, tinha que conversar com a tão falada prefeita e torcer para que ela lhe desse ao menos uma demonstração de ser mais saudável mentalmente que o resto da cidade, cujo próprio nome ele ainda não sabia.

Poucos metros adiante ele avista a prefeitura. Um prédio bonito, com acabamento em tijolinhos, janelas bem limpas, dois andares e uma estrutura típica de uma casa escandinava, bem como as outras casas da cidade. Ele se aproxima e vê as portas de madeira bem abertas, entrando e sentindo uma atmosfera extremamente convidativa, vendo um grupo de funcionários de ambos os sexos trabalhando, desempenhando funções típicas das que se espera de um prédio público. Avista, então, uma mulher em uma mesa ao centro dos outros trabalhadores e, acreditando tratar-se de alguém em posição de chefia, se aproxima no intuito de pedir uma informação.

- Olá, Érico, chegou bem? – Ele engole seco e não consegue esconder a surpresa ao ouvir a mulher. Como saberia o seu nome? Ele chegou àquele local sem documentos ou qualquer papel que pudesse identifica-lo e também não se lembra de ter dito quem era a qualquer dos transeuntes com quem falou ao longo do caminho desde sua chegada. Como ela poderia saber de quem se tratava tão rapidamente?

Os dois sobem por uma escada com acabamento em mármore com corrimões feitos de material belo, porém desconhecido por ele. Assim que chegam ao andar superior ele avista sofás de camurça em uma antessala, móveis bem cuidados e uma porta que ela bate para, logo em seguida, ouvir uma voz tão suave quanto firme responder à sua batida:

- Entre, está aberta. – A mulher abre a porta e não acompanha Érico na entrada. Ele percebe a saída da funcionária e ao olhar para uma mesa próxima à janela da enorme sala vê uma mulher alta, de corpo escultural, cabelos negros e olhos que ele nota serem de um azul celestial, embora ela mantenha o rosto baixo por estar lendo alguns papéis que logo coloca sobre sua mesa. Sua pele é branca como leite, na medida correta para combinar com seus olhos e cabelo, e o fascínio dele por ela é tamanho que ele chega a quase se esquecer o que o teria levado até lá.

- Como vai, Érico? A viagem foi confusa, talvez um pouco perturbada, mas imagino que logo toda confusão em que você se encontra irá se resolver. Sente-se.

- Bom... Não vou estranhar o fato de você saber meu nome, pois sua funcionária também sabia... Mas como sabe quem eu sou se eu estou sem documentos ou o que quer que seja, eu cheguei nesta cidade sem nem saber como... a menos que vocês tenham encontrado minhas coisas, carteira, celular, relógio, a polícia sabe quem os pegou?

A mulher se aproxima e se senta próximo a ele. Ela demonstra se sentir à vontade, como se há muito conhecesse Érico e ele nota em si uma atitude de quase intimidade com a prefeita, praticamente ignorando a situação em que se encontra, talvez pelo fascínio que sua beleza despertou nele. Sentada, as pernas juntas e os cotovelos sobre as coxas, é ela quem inicia um diálogo, com uma postura que parece misturar uma sensualidade contida a um amor quase maternal, fazendo-o quase que voluntariamente declará-la como a dona de toda a situação.

- O que está acontecendo com você não é de todo estranho. Praticamente todos que vieram parar aqui não se lembram de ter chegado a este lugar, que nós vamos chamar de cidade. Seja como for, a situação em que você se encontra nem de longe é tão ruim quanto você acredita que é.

- Olha, eu já escutei coisa parecida de um monte de gente aqui hoje, e o ponto em comum é que todos me disseram pra procurar a prefeita da cidade. Eu vim aqui, então, acreditando que ia ter algum esclarecimento, que alguém ia me ajudar a resolver minha situação e talvez até a voltar pra casa, mas, agora, tudo que eu tô escutando é a mesma ladainha de que eu não preciso me preocupar, que tudo está bem e que meu lugar é aqui. Afinal, o que tá acontecendo? Você é parte desse complô, desse sequestro? Isso é pegadinha ou o quê? E que catso de cidade é essa onde não se tem placas indicativas, onde não se passa carro na rua, sem internet, telefone ou qualquer tipo de comunicação? Acho que já chegou a hora de alguém me dar uma explicação plausível... – A explanação de Érico é subitamente interrompida quando ele é subitamente surpreendido por uma expressão do rosto da mulher que lhe fazem sentir como se subitamente a temperatura de seu próprio corpo houvesse despencado; um leve sorriso e um olhar que, estranhamente, lhe mostram uma expressão vazia, desprovida de calor humano ou sequer de vida, lhe causam uma emoção que se coloca entre um medo terrível e um fascínio alucinante, ao qual ele não teria escolha senão se render. Ele respira fundo, ainda que por reflexo, já que não há necessidade voraz de tomar fôlego, e não encontra mais palavras para prosseguir, de forma que a voz dela é a próxima a ser ouvida e mesmo a se impor, embora de forma mais aceita que forçada.

- Eu tenho total ciência de sua situação, Érico da Costa Mendes.

- Mas como sabe quem eu sou? Também sabe como vim parar aqui?

- Sim. Da mesma forma que sei da estória de todos com quem você conversou desde que chegou aqui. Eu conheço a todos, pois, cada um deles, ainda que indiretamente, tem uma estória ligada a mim, uma vez que, no final de cada uma delas, viriam se encontrar comigo um dia. Nosso encontro não foi casual, cedo ou tarde iria ocorrer, embora a forma como ocorreu não lhes fosse esperada e decorrente da ação direta ou indireta deles.

- Pelo jeito a última coisa que vou conseguir aqui é uma resposta direta...

- Talvez porque ainda não esteja preparado pra ter uma... Ou nem precise, talvez você já saiba onde está e simplesmente não esteja preparado psicologicamente para aceitar isso.

- Claro que não aceito, eu tenho minha vida, minha casa, minha mulher... não quero estar em outro lugar que não seja com ela. Admito que fiquei admirado pelo sossego deste lugar e francamente pensei até em mudar pra cá um dia, mas esse agora não é o caso.

- Eu diria que é exatamente o caso, Érico. Você vai caminhar comigo agora, existe um local que eu preciso lhe mostrar.

- Moça, eu não vou a lugar nenhum, tudo que eu quero saber é onde eu estou, que cidade é essa e como posso voltar pra... casa. – quando Érico está para terminar a frase, a misteriosa mulher coloca a mão em seu rosto e ele percebe sua visão se apagar por um lapso de tempo tão curto que ele não conseguiria descrever. Da mesma forma que há pouco ele se encontrava em uma estrada deserta sem saber como havida ido parar ali, agora se via em uma rua residencial, na calçada em frente a uma de suas casas:

- Mas que catso...

- Calma, Érico, você não tem nada a temer. Me acompanhe.

- Meu, agora eu tenho certeza, foi alguma coisa que botaram na minha cerveja...

- Eu posso garantir que a cerveja que tomou estava ótima. Aliás, a despeito do seu país não ser necessariamente um dos melhores fabricantes, você fez o favor a si mesmo de apenas consumir os melhores licores possíveis. Agora, venha.

- Pra onde? – Ela aponta.

- Pra dentro desta casa. É um lugar que você precisa conhecer.

Os dois sobem os degraus da entrada frontal de uma casa de arquitetura com a qual a maioria dos brasileiros não se encontra familiarizada. A fachada é bem semelhante à da prefeitura, lembrando ainda as casas de famílias de classe média alta que Érico está acostumado a ver em filmes americanos.

- Olha, eu já tenho praticamente certeza que isso aqui é só um sonho doido, que eu bebi demais e caí no sono na mesa do bar e que o Claudionor vai me acordar daqui a pouco com um copo de água gelada na cara. Beleza, vamos ver o que tá acontecendo aqui.

- Claudionor está ocupado demais para acordar você, Érico. Esta casa é sua, é aqui que você vai passar seus próximos dias, espero que vá se sentir confortável.

- Minha casa? Você é prefeita desta cidade ou é corretora de imóveis? Por um lado, parecem ser totalmente autossuficientes, por outro até a prefeita faz um corre como corretora pra poder se manter?! Bom, orçamento de cidade pequena deve ser uma mer...

- Eu não estou colocando este imóvel à venda. Esta casa pertence a você. Você vai estar passando seus dias neste local e não vai retornar ao lugar onde vive. Não existe uma versão desta realidade em que você deixa este plano e retorna até sua esposa.

- Tá, e o que te faz pensar que eu pretendo ficar aqui? Vamos ver que argumento você vai usar pra me convencer.

- Eu preciso de argumentos para convencê-lo tanto quanto uma pedra precisa de algum para afundar em um rio, Érico. Quanto mais cedo você aceitar o que aconteceu em vez de questionar aquilo que eu digo, melhor será.

- E o que aconteceu?

- Você não se lembra de quando estava com Claudionor no bar e, subitamente, em meio à cerveja e os salgadinhos, começou a se sentir mal? Não lembra do formigamento no braço, da dor no estômago e os tremores na boca antes de tudo começar a ficar escuro?

E, subitamente, as lembranças começam a se manifestar na mente de Érico, mudando a expressão em seu rosto. Um medo terrível toma conta de si e ele aos poucos se vê novamente em um bar, junto ao amigo Claudionor, que procura ajuda em volta à medida em que ele começa a enfartar enquanto os dois matam uma caneca atrás da outra, riem, conversam, e detonam uma tábua de frios, como é de seu costume nas sextas-feiras. Ele se vê, caindo ao chão, enquanto Claudionor observa, atônito, sem saber como reagir ao problema sem piorar a condição do amigo, e a multidão se perde, perguntando uns aos outros o que acontece até que, finalmente, Érico começa a vomitar, deitado, terminando por morrer afogado com o próprio vômito. A forma como ele treme e se convulsiona chega a ser tão hilária que alguns, mais ou menos bêbados, observam e começam a rir.

Sem conseguir suportar a carga de imagens e enfraquecido pela súbita consciência de que o que presencia agora não é um sonho, Érico sente as pernas enfraquecerem, sentando-se ao sofá que se encontra próximo de si, diante dos olhos da prefeita, que apenas o observa, sem demonstrar qualquer reação, como se já estivesse esperando que Érico não fosse suportar o que viu.

- Não... isso é conversa...não pode tá acontecendo, eu não tenho idade pra isso ainda...

- Mas está acontecendo, Érico. E, como eu disse, quanto antes você aceitar, melhor. Ou será que é tão difícil aceitar que está morto?

Uma decepção sem limites acaba por tomar conta de Érico, que leva as mãos ao rosto e pensa em tudo que ficou para trás, desde o trabalho, a esposa, sua casa, todas as possibilidades de ascensão na carreira de engenheiro, tudo, de repente, se mostra distante, exceto por suas lembranças. Quando finalmente consegue ficar de pé, ele se volta à mulher, tomando fôlego, novamente mais por força do hábito, e retoma o diálogo, ainda tentando conter o nervosismo:

- E quem é você?

- Você sabe quem eu sou... mas eu acho este visual mais interessante que o do manto e da foice...até porque leva mais tempo que pra alguns do que pra outros aceitar que veio parar aqui. Mas, como eu disse ou outros que são aspectos e até extensões de mim já te disseram, você não tem o que temer aqui. Aliás, se existe algo de que você está livre, agora, é do temor do que quer que seja.

- Mas o que vai ser de mim? Tudo que eu mais amava, tudo e todos, ficaram pra trás. O que eu vou fazer aqui, com todos que eu amava longe de mim?

- Tão logo você aprenda a se desapegar do que ficou para trás você encontrará toda paz que existe aqui. É o único jeito de se libertar e não permanecer preso nesse sentimento de uma eterna luta que você nunca vai vencer. Mas eu tenho intenção de ajudar você a se preparar para sua nova fase, desde que esteja aberto a isso.

- Acho que não tenho mais escolha... tenho?

- Não, você não tem... Mas eu posso lhe garantir que você não tem razão alguma para me odiar ou me temer, pois não fui concebida para ser seu mal, mas, talvez, o seu bem maior, haja visto que, todos os bens, depois de mim, se tornam desnecessários. Sejam eles sentimentais, materiais ou espirituais.

- Como você mesma disse, acho que não tenho escolha a não ser acreditar nisso.

- E digo porque você verá que outra opção não existe pelo fato de eu ser a única escolha real. Caminhe comigo e vamos conhecer o lar com que eu te presenteei, enquanto eu lhe falo um pouco mais sobre a dimensão dos fatos ocorridos aqui.

Eles iniciam uma caminhada ao longo do imóvel, da cozinha até os quartos, dos banheiros até o sótão, indo até a saída dos fundos, enquanto aquela que se revelou como o fim de tudo esclarece a razão de ser a única opção que pode ser acatada por Érico:

- Ao contrário do que foi passado ao longo de sua vida ou a dos demais, não existe forma de eu ser considerada como algo maligno ou cujo toque deveria ser temido. Ser acolhido por mim é tão natural quanto nascer. Em um dado momento você é recebido pelo seu mundo e, quase que simultaneamente, começa a ser preparado para adentrar o meu. Seus alimentos, o oxigênio que respira, o modo de vida que escolhem, tornam vocês totalmente propícios a se tornarem meus súditos, sem qualquer exceção e em tempos diferentes. Neste exato momento eu estou aqui, me apresentando a você, e outros aspectos de meu ser, da grande extensão dele, estão agindo em seu mundo. Do cristão ao ateu, do muçulmano ao judeu, não existe um único que vá deixar de ser tocado por mim. Desde que o primeiro ser humano, a primeira bactéria, vírus, animal, tudo que possui vida animada ou não viveu pela primeira vez lá estava eu, pronta e atuante, esperando apenas pelo momento de colher sua alma e aumentar minhas fileiras. Não porque quero, mas porque não teria como ser de outra forma já que, tudo que nasce, morre. Ignore as estórias e lendas sobre quem escapou de meu reino como se ele fosse um inferno ou algo onde se vem para encontrar o sofrimento ou como se a vida fosse a maior de todas as dádivas concebidas. A vida, que foi apresentada a você como o mais precioso de todos os dons, por falsos sacerdotes que tinham por objetivo apenas manter sua espécie sob controle, é algo frágil e que tem de ser constantemente alimentada, seja pela busca da felicidade ou através de uma luta diária que apenas os mais fortes entre vocês podem suportar. É por isso que eu, diariamente, venho a ceifar milhões de vidas, existindo e sendo a mesma desde o início dos tempos.

-O que você quer dizer com “manter sua espécie sob controle”? Quer dizer que Deus não existe?

- Talvez você devesse se perguntar se o suposto criador, este que sua espécie optou por chamar de Deus, não seria, na verdade, um monstro, uma vez que seus correlatos humanos são frágeis física e moralmente e precisam ser ensinados a praticar aquilo que consideram ser bom e já nascem sabendo o que consideram ser ruim, ao passo que animais, considerados inferiores, já parecem ter plena noção de que o que fazem é apenas pela sobrevivência. Entre humanos não se encontram bons ou maus, exceto por suas próprias concepções pessoais, como o fato de que servir a um Deus que consideram superior se torna, na maioria dos casos, uma justificativa para suas ações, sejam elas quais forem. Mas, ironicamente, os seguidores deste Deus são justamente os mais capazes de praticar ações típicas daqueles que julgam, criticam e perseguem, pois eles mesmos buscam a este Deus não por amor, mas porque precisam de salvação. Mas, diferente dos que servem ao chamado anjo caído, os servidores do Pai Celestial não são capazes de assumir que buscam o paraíso, ao contrário dos que são perseguidos por eles e assumem estar atrás de favores. Me diga, então, se este Deus é perfeito, como pode ter se arrependido da criação da humanidade e tê-la destruída por um dilúvio? Arrependimento pressupõe erro, quem erra não pode ser considerado perfeito. Ou será que não pensaram nisso durante a concepção Dele?

As reflexões da morte deixam Érico perplexo, somando-se aos acontecimentos desde sua chegada àquela terra.

- Mas apesar do que você diz, existem coisas boas, como minha mulher, meus amigos...

- Imagino que se refira à sua realização pessoal através da total dependência daqueles que diz amar. Ora, o que é o amor humano senão um lobo vestido de cordeiro, uma vez que mesmo quando você ama alguém a ponto de dar sua vida por esta pessoa o está fazendo, em primeiro lugar, porque isso satisfaz a você mesmo? Acredita que não é assim com sua mulher, com seus amigos ou que até mesmo o Jesus criado pelos cristãos não se sacrificou unicamente pelo temor de ser condenado ao inferno de seu Deus? Ou que esse amor realmente seria perfeito, como este mesmo Deus que, talvez por vaidade, permitiu que uma provocação de Satanás o levasse a condenar seu servo, Jó, a um sofrimento infernal unicamente para provar que mesmo sob tormento ele seria leal? Já parou pra pensar que a espinha dorsal desta crença é justamente o fato de que quem paga por seus pecados é alguém que nada tem a ver com eles, um inocente sem falta alguma, algo que parece mais o papel do próprio diabo? No que diz respeito aqueles que você ama eu poderia dizer muito mais, acha mesmo que sempre houve lealdade, que você foi o único entre aqueles com quem se relaciona a ter se deitado sobre sua cama e possuir sua esposa? Mesmo quando ela mais te amou e mais alegou ser leal, no final das contas, ela só foi leal a si mesma.

Érico permanece estático, não apenas pelas palavras fortes que acaba de ouvir, mas pelo fato de terem sido pronunciadas por alguém com autoridade para fazê-lo e que, sem dúvida, conhece o plano espiritual na prática e teoria. O que poderia dizer agora, uma vez que tomou conhecimento do que é, do que foi sua própria vida e que tudo o que viveu, dos bons aos maus momentos, pode não ter realmente sido aquilo que seus olhos acreditavam ter sido.

- O que eu sou, então, o que foi minha vida, tudo o que eu passei? No final tudo não passou de uma encenação, não existe paz pra mim?

- Você, como todo o resto, foi apenas mais um personagem no repertório de piadas de humor negro de Deus, que alguns escolheram chamar de existência. Outro ser cujo desejo e vontade foram moldados para servir ao interesse do coletivo porque não conseguiriam viver em paz uns com os outros, caso fizessem aquilo que realmente têm vontade, haja visto que seu único propósito de existência é a autodestruição. Menos para alguns, mais para outros, seja como for, a grande realidade é que vocês nasceram para serem doutrinados, salvo raras exceções. A única paz verdadeira que você encontrará será no momento em que aceitar a mim, deixar para trás aquilo que já chamou de vida e reconhecer que eu sou o único caminho real. Mesmo porque você não irá a parte alguma além daqui, quer aceite isso ou não. Caminhará algumas vezes pelo mundo dos vivos, causando momentos de distúrbio aos que estiverem ao redor e também a si mesmo, a menos que aceite que tudo está acabado e que agora, sim, você está completo e habitando um plano que pode chamar de superior.

Ele respira fundo mais uma vez, e olha em volta. Pensa no que foi dito, pensa no que virá em seguida e, ao mesmo tempo, tenta entender um estranho sentimento de paz que parece se sobrepor à angustia que sentiu no momento em que soube que sua vida se extinguira. A esposa, os amigos, a casa, parecem, como que automaticamente, se tornar uma reles recordação, já consciente que em breve nem mesmo isso serão. Final e inevitavelmente decidido, ele se vira para aquela que se tornou seu destino final e lhe responde, desta vez, sem hesitação ou medo:

- Eu aceito você... mas o que vem em seguida?

Ela mais uma vez toca o rosto de Érico, que torna a ver tudo se apagar para, logo em seguida, se ver em um quarto, que acredita ser seu:

- Agora venha. Me ame, me tome, ao mesmo tempo em que será tomado, e me aceite como única verdade neste plano, que será o único que você virá a conhecer daqui em diante. – Ela retira seu vestido e em seguida despe o recém-chegado, levando-o para cama, e ambos passam qualquer que seja o conceito de tempo utilizado naquele plano espiritual em um misto de ternura, depravação e destreza física. O tempo parece parar totalmente, como seria de se esperar de dois seres que possuem a eternidade à sua disposição. As poucas lembranças da vida anterior de Érico logo desaparecem ou se tornam tão importantes quanto seriam caso não pudessem ser detectadas em sua mente. Seja como for, ele a invade até a exaustão fazendo uso de uma disposição que só o desespero ou a total paz de espírito poderiam lhe conceder e, tão logo terminem, permanecem deitados nos braços um do outro, sentindo a respiração arfante e o pulso acelerado um do outro.

Horas depois, ela se levanta, se veste e parte, sorrindo delicadamente para o homem cuja alma agora é propriedade sua. De alguma maneira, Érico não espera necessariamente voltar a vê-la, pois o principal já foi feito: ele a aceitou, a amou e agora está em paz como jamais esteve e jamais estará.