Brisa típica de verão, daquelas que vem logo após uma noite de chuva de intensidade média, gente de máscara pra todos os lados se acumulando numa plataforma que promete vagões de metrô lotados de gente perdida em seus próprios mundos pensando apenas na superfície do que são suas vidas e que se resume às responsabilidades imediatas, diversões talvez, todos envolvidos com o que quer que tenham em mente para iniciar, continuar ou finalizar, sejam suas atividades ou mesmo seu tempo no mundo. Cada rosto uma História recheada de estórias de lapsos morais, fraquezas, esperanças enganosas devidamente frustradas, traições, tudo isso confrontando-se com a consciência e manifestando-se através do desejo, em alguns casos da certeza, de serem todos os melhores seres humanos a seus próprios olhos ou simplesmente fingindo acreditarem que não o são. O homem é o que diz e não o que faz, palavras bonitas e cheias de inspiração sempre foram um analgésico cobiçado pela alma, devidamente prescrito em doses pequenas, com o menor número de linhas possíveis, administradas sob medida para um povo avesso à leitura do que quer que tome mais que alguns segundos de atenção ou exija um raciocínio maior.
Isabel tinha seus próprios motivos pra estar ali. Utilizando
seus próprios meios, fazendo o que o patrão gosta, como de costume, conseguiu
ausentar-se do trabalho naquela quinta-feira. Sem muitas explicações, disse
apenas que tinha apenas um compromisso importante, e o chefe prontamente a
dispensou sob a promessa de que compensaria no final de semana. O recado foi
entendido, mesmo porque não haveria ninguém além dela e o superior no
escritório, o que significa que o expediente deve ser mais curto e o trabalho
executado será, provavelmente, mais longo. Nada com que se preocupar ou que ela
não tenha feito antes. Todas essas preocupações permanecem afastadas agora, de
modo que ela passa a focar nos passageiros ao redor, buscando algo que lhe
chame a atenção e que justifique viajar em pé até seu destino.
O trem chega à plataforma e ela não demora a avistar algo
que lhe desperta algum apetite. O homem é alto, peso proporcional à altura e
parece visivelmente definido por baixo das roupas largas. O tempo fez com que
ela desenvolvesse uma capacidade interessante de visualizar os traços de um
homem sob as roupas, bem como, através do tipo físico, deduzir quais seriam os
mais dotados. Ainda não tem trinta anos, mas sua experiência com homens pode
ser considerada ampla, haja visto que não hesita em remover todas as barreiras
possíveis entre seu próprio prazer e si mesma, avessa a todo tipo de pudor,
moral ou vergonha, salvo o que possa ser usado como desculpa para afastar um
pretendente não desejado por ela. Casada há alguns anos com um comprador de uma
grande loja de autopeças, que até que não é de todo mal, chegando até mesmo a
ter um desempenho sexual considerável, ela, mais uma vez, utiliza uma chance
para procurar novos parceiros e satisfazer sua tara que, no final das contas,
tem mais a ver com uma filosofia extremamente particular do que com a
satisfação do corpo ou o vício no ato sexual. Admite ser extremamente ligada ao
prazer físico e cuidar do corpo, em especial, para atrair parceiros potenciais
e torturar aqueles que não se enquadrem em suas exigências, mas desafiar,
degradar, pisotear todo tipo de padrão ético, religioso e moral que diga
respeito ao encarceramento de sua libido é o que realmente a motiva.
Lança um olhar de desejo em direção ao homem que lhe chamou
a atenção e, tão logo embarcam, estão um ao lado do outro, trocando sorrisos
maliciosos, alguns que o rapaz esboça sem ter certeza absoluta do que a mulher
estaria querendo. Não faria um escândalo, não o acusaria de assédio e o
submeteria a constrangimentos que iriam desde as ofensas, talvez agressões, da
multidão estúpida e furiosa, talvez até a prisão? Isabel é dona da situação,
visto que a mulher é sempre vítima e o homem já nasce culpado do que quer que
seja pelo simples fato de ter nascido homem. Seja como for, seu olhar deixa
claras suas intenções e ela, discretamente, acaricia o membro do desconhecido,
sentindo-o crescer em sua mão e, em seguida, vira-se de costas para ele,
acariciando a peça com suas nádegas discretamente, podendo sentir logo o
tamanho avantajado. Ele segura sua cintura e a puxa de encontro a si, enquanto
ela joga o quadril para trás sem chamar a atenção e aperta o homem contra a
porta do trem, sentindo seu cacete atingir o que parece ser o máximo da
rigidez. Alguns passageiros notam o ocorrido, mantendo-se alheios a tudo e
buscando disfarçar como podem. Ela sorri. Pouco tempo depois, vira-se para o
rapaz, pisca e deixa o trem, sem dizer uma palavra que seja. Ele retribui o sorriso
e segue viagem.
Trazendo para si os olhares de homens e mulheres pelo andar
elegante, o salto alto e o vestido apertado, ela caminha para a saída da
estação, rumo à loja onde o marido trabalha e deve estar entupido de serviço
naquele momento. Entretanto, não é no cônjuge atarefado que ela pensa agora,
tampouco no seu trabalho. Pelo menos, não diretamente. Enquanto prossegue é a
última confraternização da empresa onde o esposo trabalha que lhe vem à mente,
há mais ou menos um mês, pouco antes das festas de fim de ano. Música alta,
bebida circulando, todos contentes, alguns dando vexame e, em meio a tantos ali
presentes, Isabel e o marido se encontravam em uma roda com um grupo de amigos,
sendo um deles um dos mecânicos da loja, com quem ela trocou olhares discretos,
porém apimentados, e que deixavam claras suas intenções. O jovem negro, de
porte privilegiado, segundo informações obtidas durante a conversa, praticava
boxe e levantava peso, assemelhando-se a um peso pesado. Nenhuma palavra foi
trocada entre os dois, exceto em um momento rápido, quando Isabel afastou-se
momentaneamente para ir ao banheiro e, na saída, acabou trombando com o rapaz,
que deu a desculpa de também estar apertado. Ela entendeu sua iniciativa e,
aproveitando a situação, ambos trocaram números de telefone, passando a manter
contato daquele momento em diante. As conversas começaram com a sutileza de
praxe, aquela que se espera de duas pessoas que, embora já tenham deixado claro
terem as mesmas intenções, ainda precisam se conhecer e realmente confirmar sua
sintonia. Logo a ousadia tomou conta da cena e ambos passaram a se falar não só
diariamente como, também, conversar sobre a possibilidade de um encontro, o
que, a princípio, deixou o mecânico inseguro em face do convívio com o marido
de Isabel. Mas não demorou para que a mulher o convencesse e que o desejo
falasse mais alto. Entretanto, um pedido da mulher não só causou espanto como
um temor no rapaz, causado pelo senso de precaução.
- Para com isso... aqui, na loja? Como que vai rolar aqui,
seu marido vai tá trabalhando e tem o pessoal aqui da oficina. Embaçado isso
aí...
- Não se preocupa, não. Eu sei que ele não desce na oficina
e que o pessoal daí não fica de muito papo com quem é do escritório. Relaxa, se
precisar a gente conversa com seus amigos e eu faço eles ficarem contentes pra
não falarem nada. Mas não comenta com eles...
O mecânico riu, gostando da ideia da esposa do colega.
Achava divertido o fato de possuir a mulher de alguém que trabalha no
administrativo bem no prédio onde ambos trabalham, embora o motivo principal
fosse simplesmente o interesse despertado pelo sexo que seria proporcionado por
Isabel. Ela, por outro lado, além do interesse sexual, pensava ainda na
depravação envolvida no ato de se entregar não apenas ao colega de trabalho do
marido, mas, também, de fazê-lo exatamente no local onde o pão é colhido para a
manutenção do lar. Não havia preocupação, tampouco medo ou remorso em fazê-lo,
apenas ansiedade em consumar logo o ato, que, até então, havia sido limitado a
locais mais discretos e seguros, sem qualquer tipo de risco que não fosse um
transeunte que passasse na hora errada e filmasse algo com o celular ou,
simplesmente, algo mais rápido e simples, como o escritório do chefe e o
ocorrido há pouco no metrô, que ela fazia uso para, durante o transporte,
realizar mais uma de suas fantasias e lembrar-se do poder de assediar a quem
quisesse e contar com a proteção da lei contra o assédio que fosse praticado
contra ela por quem não a interessasse.
A caminhada até o trabalho do marido é rápida, mas
suficiente para que ela tenha pressa de chegar e colocar seu plano em prática.
Isabel não odeia o marido, tem uma vida sexual mais ou menos satisfatória com
ele, mas, embora haja sentimento e consideração, não pode evitar de trai-lo
sempre que alguém que atice seu desejo a encoraje a fazê-lo. Não tem medo de
ser ousada e deixar claras suas intenções, dar um passo à frente e sempre
tratou o sexo como uma necessidade tão comum quanto beber, comer e dormir, não
vendo por que tratar a satisfação do corpo como algo que deveria ser domado por
dogmas religiosos, códigos de ética ou convenções humanas. A monogamia, pensa
ela, é uma instituição desprezível, que visa apenas domesticar os instintos
básicos de luxúria de qualquer ser humano e seu protesto contra ela se resume
no adultério, que ela via não como um pecado, e, sim, como uma obrigação moral.
Sem critérios de entrega, bastando que seu apetite sexual seja despertado e ela
sinta vontade de ter o homem que tentar a sorte entre suas pernas. No intuito
de reforçar seu desprezo pela instituição casamento, faz o papel esposa de
família com o marido, com quem faz um sexo limitado, ainda que intenso,
guardando práticas mais pervertidas apenas para outros homens. Um sacrifício
necessário, pensa ela, não há outro jeito. O marido é trabalhador, cumpridor de
suas responsabilidades, mas não há outra forma de mostrar a náusea causada pela
convenção monogâmica que não casando e fazendo com que sua união com um homem
fosse o protótipo da própria perversão, submetendo-o a passar seus dias crendo
na santidade de seu matrimônio enquanto o corpo dela é entregue voluntariamente
a outros homens.
Chega até a loja. Cumprimenta alguns funcionários
discretamente, passa pela maioria sem chamar a atenção, depois desce até a
oficina, onde o gigante negro, como chama o futuro amante, trabalha em um dos
carros e sorri ao avistar a moça, deixando de lado as peças e se aproximando de
Isabel. Os outros nada dizem, continuam a trabalhar, enquanto ele conversa com
a mulher do colega de trabalho e ambos trocam aqueles sorrisos típicos de quem
já sabe o que virá a seguir e tenta quebrar o gelo. Alguns dos outros mecânicos,
como se já soubessem do que se trata, sorriem e fazem comentários maliciosos
entre si, observando a mulher, enquanto o amigo se dirige à copa ao lado de
Isabel.
- Rapaziada, vou fazer minha pausa pro café. Daquele jeito
lá...
- Beleza, irmão, vai lá. – o casal passa pela porta da copa
e o mecânico fecha a porta, puxando a loira escultural de encontro a si,
passando a mãos em suas nádegas por cima do vestido e não demorando a
levantá-lo, posicionando as mãos sob a calcinha e baixando-a enquanto beija o
pescoço e as orelhas de Isabel, levando-a ao delírio. A peça íntima logo está
no chão e acaba indo parar sob o sofá da pequena sala, onde o trabalhador se
senta e a mulher, ajoelhada em frente a ele, puxa suas calças para baixo, revelando
um cacete volumoso e pronto para ser abocanhado. Ela não hesita e o toma com as
duas mãos, chupando-o gulosamente, apoiando os braços nas coxas grossas do
gigante negro, passando a mão pela barriga definida do amante, lambendo o saco
volumoso e subindo a língua da raiz da vara bem-dotada até a cabeça, voltando a
mamar. Sabendo que não podem demorar, ele se levanta e a posiciona de costas
para si, fazendo com que ela apoie os cotovelos na mesa onde os funcionários
fazem o lanche. Apoiando uma das mãos em uma das nádegas de Isabel, ele bate o
cacete contra a outra e a mulher, sorrindo, olha por cima do ombro e sorri, com
um brilho malicioso nos olhos verdes:
- Come meu cuzinho. Soca essa rola grande e gostosa nele...
– o mecânico se espanta, sorrindo maliciosamente enquanto bate o membro contra
o clitóris de Isabel, o que faz com que ela lamba os lábios e peça mais uma vez
para ser enrabada, o que eleva a excitação do rapaz e faz com que ele posicione
a cabeça, empurrando devagar embora sinta, pela largura, que o reto da mulher
do colega de trabalho é penetrado com frequência. Não há engano algum na
afirmação, uma vez que ela mesma, ao sentir a penetração, se lembra que tudo
que é entregue a seus amantes é negado em casa, conforme reza sua oposição às
amarras impostas pela monogamia. Por isso entregava seu ânus com prazer a todo
homem por quem sentisse desejo e que não fosse seu marido, de modo que o sexo
anal simbolizasse a entrega irrestrita e pecaminosa a homens estranhos,
proporcionando prazer a eles de forma incondicional e ela fosse tomada sem
necessariamente sentir esse mesmo prazer físico, permitindo, assim, que seu
corpo se tornasse propriedade e ela se submetesse da forma mais sublime,
atingindo a mais alta escala de corrupção do altar onde fez seus votos
matrimoniais. Esses pensamentos a excitavam tanto quanto os movimentos rápidos
e fortes do mecânico, que segura seus quadris com as mãos sujas de graxa e
sente as bolas batendo contra as nádegas fortes da mulher de seu colega, o que
o enlouquece ainda mais.
- Soca, meu preto... come o cuzinho da sua puta, sua
cachorra, sua vadia... faz o que aquele corno não consegue. – e o mecânico
passa a dar tapas nas nádegas de Isabel, que geme alto, mexe os quadris, assim
como o gigante negro, que cola o peito nas costas da mulher e toma um seio em
cada mão, penetrando selvagemente e levando-a ao delírio. Olhando para cima,
ele vê que os outros mecânicos assistem a tudo pelas frestas na parte de cima
da parede e sorriem, fazendo gestos e comentários enquanto o colega continua se
apossando do corpo da mulher alheia da forma que lhe convém. Sem conseguir se
conter, ele se derrama dentro dela, ejaculando demoradamente dentro de Isabel,
que empurra o quadril para trás de modo a garantir que todo o esperma do amante
seja derramado dentro de seu reto. Em seguida ele se retira, limpando seu
membro com guardanapos e ela desce o vestido, ajeitando-o, desistindo de
encontrar a calcinha. Os dois se abraçam, tomam um rápido fôlego e ela se
despede do amante, que aperta suas nádegas uma com cada mão, beijando-a e dando
um último tapa no traseiro de Isabel, que retribui com um sorriso, indo em
direção à saída. Os outros mecânicos sorriem para ela, que leva o dedo à boca,
pedindo discrição sobre sua passagem por ali, e sorri, como quem deixa a
entender que “essas coisas acontecem”, e sobe as escadas até a loja enquanto
sente o esperma do mecânico escorrer de seu ânus. Em meio à correria no andar
de cima, ela percebe o marido em frente ao balcão, conversando sobre qualquer
assunto com os vendedores. Caminhando até o banheiro, ela se certifica de que o
cabelo esteja arrumado e o vestido não esteja amassado em excesso antes de se
aproximar para cumprimenta-lo.
- Que surpresa, diz o marido, beijando a esposa na boca e
abraçando-a, sem perceber um sorriso e um levantar de sobrancelhas para os
outros funcionários, que haviam notado sua presença na loja anteriormente e sua
descida até a oficina. Ela então explica que estava passando por perto e que
decidiu dar um alô antes de ir para casa. Algumas palavras rápidas e ela se
retira, indo em direção ao metrô, que provavelmente estará mais vazio em face
do fluxo contrário.
Durante o caminho de volta, ela reflete sobre o que acabou
de fazer. O alívio que sente é devido à luxúria satisfeita, não do fato de que
conseguiu sair da loja sem que o marido esboçasse qualquer desconfiança.
Divertiu-se, a manhã valeu a pena, agora se pergunta como será a próxima vez e
com quem, sabendo que pretendentes não faltarão. É mulher e tem, portanto, o
poder de escolha. No meio disso tudo lembra de uma frase de um de seus filmes
favoritos, que dizia que o amor estaria em declínio. Ledo engano, ele nunca
esteve: apenas é necessária maturidade para se ver sua verdadeira face, ou, no
mínimo, ausência de medo de se vê-la e aceitar que passou a vida sendo enganado
por aqueles que tentaram passar uma imagem dele como um sentimento nobre,
perfeito e desprovido de qualquer tipo de falha e conseguir encarar que se
trata de um lobo vestido de cordeiro que visa apenas satisfazer a si mesmo até
quando quem ama dá a vida pelo ser amado, pois, se o faz, é porque a vida sem
quem se ama traria prejuízo a si e não à outra pessoa.
À noite, durante o jantar, seja pelo cansaço do trabalho ou
por mero esquecimento, o que não é de se surpreender, Isabel trata de vários
assuntos com o marido, mas não falam pouco sobre a visita surpresa à loja pela
manhã. Nenhum sinal de desconfiança, de possível ocorrência de uma traição,
como se uma confiança inabalável na mulher afastasse toda e qualquer dúvida
sobre seu caráter ou de que a falta ao serviço pudesse ter sido motivada por
algum desvio de conduta. Ela se pergunta se seria em face de uma autoconfiança
exagerada que não haveria qualquer tipo de desconfiança das andanças da esposa
quando em momento oportuno, se ele saberia de algo e apenas estivesse guardando
tudo para uma referência futura, ou, quem sabe, por nutrir uma dependência
emocional e física de Isabel que simplesmente não manifestava, pois não
consegue imaginar que seja tão simples assim trair sem ser descoberta ou que
alguém no serviço do marido não tenha feito qualquer comentário sobre a cena na
oficina pela manhã. Ou talvez houvessem comentado e ele dado de ombros e, em
face de confiar demais em si mesmo ou na esposa, simplesmente não tivesse dado
crédito ao que ouviu.
- E o que você fez de bom hoje, já que não foi trabalhar? E
seu chefe não achou ruim?
- Nada de mais, dei uma volta pelo centro, ia ver umas
roupas novas e talvez algumas coisas pra casa, mas tudo muito caro. E, o chefe,
bom... eu conversei com ele e deixou que eu folgasse hoje se eu repusesse no
sábado e colocasse o serviço do escritório em ordem.
- Sábado? Hum, então vou aceitar o convite do pessoal pra
jogar bola de manhã. Como você vai estar trabalhando, não vai ter problema. De
vez em quando é bom mesmo faltar no trabalho, ainda bem que seu chefe tem esse
jogo de cintura e você consegue trocar o horário de boa.
- Ah, sim, quando a gente mostra serviço sempre consegue
alguns favores em troca.
A falta de desconfiança, de uma cena de ciúme, por menor que
fosse,somadas à estabilidade emocional do marido, causam em Isabel uma
irritação que ela, como sempre, faz um esforço para disfarçar. Não consegue ver
algo de positivo nessa confiança inabalável que Nelson tem nela, como se a
usasse para disfarçar que, no fundo, é um imbecil pedindo, quase implorando
para ser manipulado e traído constantemente. Chega a ser uma ofensa à sua
vaidade feminina, a ponto de fazê-la se perguntar se ele realmente nutriria um
amor incondicional que prova demonstrando segurança nela ou em si ou se,
simplesmente, não se importa. Uma amante? Nada impossível, embora ela se
pergunte como faria para administrar o casamento e outra mulher, haja visto que
tudo que faz, com exceção das cervejas e do futebol com os amigos, é totalmente
voltado para o lar. Alguém no escritório, talvez? Ela aproveita as horas de
almoço mais longas que o normal para se debruçar sobre a mesa do chefe ou se
ajoelhar debaixo dela, é como consegue ocasionalmente ausentar-se do trabalho
quando quer e promover encontros como o de hoje, quando atingiu o máximo da
ousadia se entregando ao mecânico no local de trabalho do próprio marido. Quem
sabe ele não fizesse o mesmo com alguém no trabalho, embora o excesso de
serviço durante o expediente dificultasse as coisas para ele.
Ao sair para colocar o lixo fora, Isabel dá de cara com o
novo zelador do prédio. Uma troca de sorrisos e um olhar que já deixa claras as
intenções da mulher e do homem de aceita-las futuramente, de modo que ela
pretende explorar mais esta oportunidade e, provavelmente, ir mais longe na
profanação do altar onde fez seus votos e trazer suas aventuras com outros
homens não apenas para dentro de casa como acrescentar alguém ainda mais
próximo que o funcionário da firma onde o marido se encontra ao seu histórico.
Parece um tanto clichê, é verdade, a esposa que se entrega ao zelador enquanto
o marido trabalha, ou mesmo ao carteiro, padeiro, entre tantos outros, mas a
ideia de fazê-lo faz com que ela se lembre de piadas e estórias que ouvia
quando criança e que a excitavam terrivelmente, a ponto de fantasiar ocasiões
assim durante o banho ou momentos em que a necessidade tomava conta. Um fogo
incontrolável, além do seu próprio desprezo pelo casamento, mais uma vez, fazem
com que ela pense em uma nova investida, que só não será posta em prática neste
final de semana devido à compensação de horário no trabalho.
Afastando esses pensamentos, ela se recolhe ao apartamento.
O resto da noite é tranquila e passada com o marido, em frente à TV.