domingo, 20 de outubro de 2024

O sono do amado - da obra "Refém"

William sempre teve sono pesado, mas, há alguns dias, passou a ter maior dificuldade para dormir. Ou ao menos a se policiar mais e cuidar para que continuasse acordado até as duas da manhã, quando Amanda espera que ele esteja adormecido e deixe a cama novamente. O hábito vem afetando sua rotina diária, mas, sem ter como evitar, ele continua mantendo-se desperto de forma que possa acompanhar as saídas ocasionais da namorada da cama, quando ela passa cerca de uma hora no quarto ao lado, ou estando ciente de que o namorado não irá acordar ou retornando constantemente ao cômodo onde dormem para se certificar de que o mesmo continua dormindo.

No outro quarto do apartamento, que o pai de William havia alugado para que o jovem morasse enquanto cursa a faculdade de Medicina em São Paulo, encontra-se Ademir, que tem sido seu melhor amigo desde a infância. Os dois se conheciam há cerca de dez anos, ainda no primário, e compartilhavam os mesmos gostos em vários aspectos, o que fez com que protagonizassem juntos um certo número de viagens, festas, eventos e todo tipo de coisa que garotos de sua idade pudessem fazer. Durante esse tempo, no colegial, William conheceu Karen, que vem sendo sua namorada desde o primeiro ano. Neste meio tempo ele revezava seu tempo entre a amizade com Ademir, os estudos e o tempo passado com a namorada, com quem tinha um relacionamento que mais lembrava uma estória romântica. Como amigos que eram, estavam quase sempre por perto um do outro, companhia que muitas vezes era complementada por outros colegas de escola e, após a formatura do ensino médio, ambos prestaram o vestibular para Medicina em São Paulo, sendo aprovados. Karen ingressou na faculdade de Direito, também na capital, e, após conversas com os pais, conseguiram convencê-los a alugar um apartamento em São Paulo para que pudessem morar juntos enquanto estudassem aqui. William, como não poderia deixar de ser, insistiu para que Ademir viesse junto e os três passaram a dividir o apartamento de dois dormitórios na área central, próximos à faculdade.

Não se passaram ainda seis meses desde que começaram o curso. Seja como for, ele se pergunta quando foi que as coisas começaram a dar errado e se algo que ele havia feito teria sido fator determinante para que as coisas acabassem assim. Teria tudo começado ainda em sua cidade natal, no interior, ainda que de forma menos intensa? Nunca houve da namorada qualquer sinal de que algo a estaria deixando insatisfeita ou de que tivesse qualquer intenção de abandoná-lo mas, de qualquer forma, sim, ele estava vivendo aquela situação, sem saber exatamente como reagir a ela e, mesmo através de sua omissão, tomando uma atitude sobre o assunto.

Foi há duas semanas que tudo aconteceu. Preocupado com uma das primeiras provas, William não conseguia dormir, mas, como não queria incomodar a namorada, não lhe disse nada e deixou que descansasse. Porém, foi em meio a estas divagações sobre a faculdade que ele percebeu que Karen, cuidando para que não fosse feito qualquer movimento brusco para que o namorado acordasse, saiu da cama e deixou o quarto, fechando a porta. Ele se virou em seguida e percebeu que o roupão que usa normalmente para se cobrir ainda estava ali, o que significava que havia saído seminua para onde fosse, o quarto, sala de estar ou, mais provavelmente, o banheiro, já que não iria para a sala de estar sem se cobrir, sabendo que Ademir se encontrava dormindo no quarto ao lado.

Passaram-se cinco minutos; não se ouvia nenhum som vindo do banheiro, nada vindo da sala de estar, a televisão não estava ligada. Na cozinha, nenhum sinal, não se via qualquer feixe de luz sob a porta do quarto, o que lhe levou a indagar o que a namorada poderia estar fazendo fora da cama. Estranhando o comportamento, que não era familiar, ele se levanta e, procurando fazer silêncio para não acordar o amigo no quarto ao lado ou como se já soubesse o que iria flagrar minutos depois, ele caminha silenciosamente e abre a porta do quarto, confirmando o que já havia percebido antes; nada na cozinha, nada na sala de estar ou no banheiro, tudo apagado. Por outro lado, um ruído estranho vinha do quarto de Ademir, o único lugar onde a namorada poderia estar e, atraído por ele, William caminha em direção à porta e a abre devagar, fazendo um esforço sobre-humano para manter o autocontrole quando presencia a cena iluminada pela luz que vem da rua: a namorada ajoelhada, diante do melhor amigo, tomando seu membro com as duas mãos e levando-o à boca com fome quase que insaciável, às vezes masturbando-o e batendo com o falo gigantesco contra seu rosto, dizendo obscenidades em tom baixo para não acordar o namorado que, sem que ela soubesse, observa o ocorrido pela fresta da porta. Em pouco tempo os dois estão nus e, de tão envolvidos, seja nas carícias que antecedem o ato como no sexo que compartilham logo depois, sequer pensam em olhar para a porta e se certificar que o namorado traído não estaria observando os dois. Ela apenas se entregava ao melhor amigo do namorado, sem demonstrar qualquer pudor ou arrependimento, quase implorando que ela o invadisse da forma mais depravada possível, como se sua vida dependesse daquilo.

Ele volta, então, para o quarto, e se deita, sem saber exatamente o que pensar daquela situação. Passa-se cerca de uma hora antes que a namorada volte e se deite, caindo logo no sono, como se não houvesse no que pensar e o que ocorreu minutos antes fosse algo perfeitamente normal. William não adormece até o amanhecer e, ao dia seguinte, faz de tudo para agir como se nada houvesse acontecido e tanto um como o outro o tratam normalmente, sem qualquer indício de que algo tivesse ocorrido entre os dois.

Agora, ele está ali, deitado em sua cama, e, novamente, Karen deixou o quarto, como ocorre em média de duas a três vezes na semana, sem que haja dia certo. Ele se pergunta sobre outras ocasiões ao longo dos dias, se o mesmo aconteceria; enquanto ele toma banho, ou enquanto sai à padaria ou durante suas leituras na biblioteca, quando não está com o amigo e a namorada está cuidando de assuntos de seu curso. E mais, seria o amigo o único? Se ela tem coragem de trai-lo debaixo do teto onde moram, por que não o faria com outros? E, caso haja mais, quantos seriam? Impossível saber, ou se dedicaria aos estudos ou a tentar descobrir o quanto é traído pela namorada, já que sabe que se isso acontece ou não já não é dúvida alguma.

Entretanto, é refém da situação. Sabe que é traído, mas também sabe do que sente pela namorada e, por que não dizer, pelo amigo, que tem como irmão desde sua infância. Jogaria aquilo tudo fora? Ficar sem os dois não seria algo ainda pior do que passar as noites sendo traído por eles? Haveria um dia em que teria de encarar o fato de que ela iria embora com ele e o deixaria para trás como, indiretamente, já está fazendo? Só o tempo diria.

Ela entra no quarto, ele se vira na cama, encarando a namorada. Indagando sobre onde estava, de forma contida, ela responde que havia ido ao banheiro, que estava com dor de barriga. Ao se deitar, beija o namorado na boca, fazendo-o sentir um gosto amargo, como se ela o batizasse com o sêmen do outro que, minutos atrás, jorrou em sua boca. Não há qualquer sinal de que algo possa estar errado, ela apenas lhe dá boa noite e se deita e ele, sem esboçar qualquer reação quanto à atitude daquela com quem talvez viesse a se casar anos depois, apenas se perguntava se aquele era o fundo do poço ou mesmo se havia o fundo de algum poço a atingir.

 

 

 

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