William sempre teve sono pesado, mas, há alguns dias, passou a ter maior dificuldade para dormir. Ou ao menos a se policiar mais e cuidar para que continuasse acordado até as duas da manhã, quando Amanda espera que ele esteja adormecido e deixe a cama novamente. O hábito vem afetando sua rotina diária, mas, sem ter como evitar, ele continua mantendo-se desperto de forma que possa acompanhar as saídas ocasionais da namorada da cama, quando ela passa cerca de uma hora no quarto ao lado, ou estando ciente de que o namorado não irá acordar ou retornando constantemente ao cômodo onde dormem para se certificar de que o mesmo continua dormindo.
No outro quarto do
apartamento, que o pai de William havia alugado para que o jovem morasse
enquanto cursa a faculdade de Medicina em São Paulo, encontra-se Ademir, que
tem sido seu melhor amigo desde a infância. Os dois se conheciam há cerca de
dez anos, ainda no primário, e compartilhavam os mesmos gostos em vários
aspectos, o que fez com que protagonizassem juntos um certo número de viagens,
festas, eventos e todo tipo de coisa que garotos de sua idade pudessem fazer.
Durante esse tempo, no colegial, William conheceu Karen, que vem sendo sua
namorada desde o primeiro ano. Neste meio tempo ele revezava seu tempo entre a
amizade com Ademir, os estudos e o tempo passado com a namorada, com quem tinha
um relacionamento que mais lembrava uma estória romântica. Como amigos que
eram, estavam quase sempre por perto um do outro, companhia que muitas vezes
era complementada por outros colegas de escola e, após a formatura do ensino
médio, ambos prestaram o vestibular para Medicina em São Paulo, sendo
aprovados. Karen ingressou na faculdade de Direito, também na capital, e, após
conversas com os pais, conseguiram convencê-los a alugar um apartamento em São
Paulo para que pudessem morar juntos enquanto estudassem aqui. William, como
não poderia deixar de ser, insistiu para que Ademir viesse junto e os três
passaram a dividir o apartamento de dois dormitórios na área central, próximos
à faculdade.
Não se passaram ainda
seis meses desde que começaram o curso. Seja como for, ele se pergunta quando
foi que as coisas começaram a dar errado e se algo que ele havia feito teria
sido fator determinante para que as coisas acabassem assim. Teria tudo começado
ainda em sua cidade natal, no interior, ainda que de forma menos intensa? Nunca
houve da namorada qualquer sinal de que algo a estaria deixando insatisfeita ou
de que tivesse qualquer intenção de abandoná-lo mas, de qualquer forma, sim,
ele estava vivendo aquela situação, sem saber exatamente como reagir a ela e,
mesmo através de sua omissão, tomando uma atitude sobre o assunto.
Foi há duas semanas que
tudo aconteceu. Preocupado com uma das primeiras provas, William não conseguia
dormir, mas, como não queria incomodar a namorada, não lhe disse nada e deixou
que descansasse. Porém, foi em meio a estas divagações sobre a faculdade que
ele percebeu que Karen, cuidando para que não fosse feito qualquer movimento
brusco para que o namorado acordasse, saiu da cama e deixou o quarto, fechando
a porta. Ele se virou em seguida e percebeu que o roupão que usa normalmente
para se cobrir ainda estava ali, o que significava que havia saído seminua para
onde fosse, o quarto, sala de estar ou, mais provavelmente, o banheiro, já que
não iria para a sala de estar sem se cobrir, sabendo que Ademir se encontrava
dormindo no quarto ao lado.
Passaram-se cinco
minutos; não se ouvia nenhum som vindo do banheiro, nada vindo da sala de
estar, a televisão não estava ligada. Na cozinha, nenhum sinal, não se via
qualquer feixe de luz sob a porta do quarto, o que lhe levou a indagar o que a
namorada poderia estar fazendo fora da cama. Estranhando o comportamento, que
não era familiar, ele se levanta e, procurando fazer silêncio para não acordar
o amigo no quarto ao lado ou como se já soubesse o que iria flagrar minutos
depois, ele caminha silenciosamente e abre a porta do quarto, confirmando o que
já havia percebido antes; nada na cozinha, nada na sala de estar ou no
banheiro, tudo apagado. Por outro lado, um ruído estranho vinha do quarto de
Ademir, o único lugar onde a namorada poderia estar e, atraído por ele, William
caminha em direção à porta e a abre devagar, fazendo um esforço sobre-humano
para manter o autocontrole quando presencia a cena iluminada pela luz que vem
da rua: a namorada ajoelhada, diante do melhor amigo, tomando seu membro com as
duas mãos e levando-o à boca com fome quase que insaciável, às vezes
masturbando-o e batendo com o falo gigantesco contra seu rosto, dizendo
obscenidades em tom baixo para não acordar o namorado que, sem que ela
soubesse, observa o ocorrido pela fresta da porta. Em pouco tempo os dois estão
nus e, de tão envolvidos, seja nas carícias que antecedem o ato como no sexo
que compartilham logo depois, sequer pensam em olhar para a porta e se
certificar que o namorado traído não estaria observando os dois. Ela apenas se
entregava ao melhor amigo do namorado, sem demonstrar qualquer pudor ou
arrependimento, quase implorando que ela o invadisse da forma mais depravada
possível, como se sua vida dependesse daquilo.
Ele volta, então, para o
quarto, e se deita, sem saber exatamente o que pensar daquela situação.
Passa-se cerca de uma hora antes que a namorada volte e se deite, caindo logo
no sono, como se não houvesse no que pensar e o que ocorreu minutos antes fosse
algo perfeitamente normal. William não adormece até o amanhecer e, ao dia
seguinte, faz de tudo para agir como se nada houvesse acontecido e tanto um
como o outro o tratam normalmente, sem qualquer indício de que algo tivesse
ocorrido entre os dois.
Agora, ele está ali,
deitado em sua cama, e, novamente, Karen deixou o quarto, como ocorre em média
de duas a três vezes na semana, sem que haja dia certo. Ele se pergunta sobre
outras ocasiões ao longo dos dias, se o mesmo aconteceria; enquanto ele toma
banho, ou enquanto sai à padaria ou durante suas leituras na biblioteca, quando
não está com o amigo e a namorada está cuidando de assuntos de seu curso. E
mais, seria o amigo o único? Se ela tem coragem de trai-lo debaixo do teto onde
moram, por que não o faria com outros? E, caso haja mais, quantos seriam?
Impossível saber, ou se dedicaria aos estudos ou a tentar descobrir o quanto é
traído pela namorada, já que sabe que se isso acontece ou não já não é dúvida
alguma.
Entretanto, é refém da
situação. Sabe que é traído, mas também sabe do que sente pela namorada e, por
que não dizer, pelo amigo, que tem como irmão desde sua infância. Jogaria
aquilo tudo fora? Ficar sem os dois não seria algo ainda pior do que passar as
noites sendo traído por eles? Haveria um dia em que teria de encarar o fato de
que ela iria embora com ele e o deixaria para trás como, indiretamente, já está
fazendo? Só o tempo diria.
Ela entra no quarto, ele
se vira na cama, encarando a namorada. Indagando sobre onde estava, de forma
contida, ela responde que havia ido ao banheiro, que estava com dor de barriga.
Ao se deitar, beija o namorado na boca, fazendo-o sentir um gosto amargo, como
se ela o batizasse com o sêmen do outro que, minutos atrás, jorrou em sua boca.
Não há qualquer sinal de que algo possa estar errado, ela apenas lhe dá boa
noite e se deita e ele, sem esboçar qualquer reação quanto à atitude daquela
com quem talvez viesse a se casar anos depois, apenas se perguntava se aquele
era o fundo do poço ou mesmo se havia o fundo de algum poço a atingir.
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